Quando vemos cataclismos naturais, pela TV ou presencialmente, as assombrosas magnitudes destes eventos, mas também a inquestionável naturalidade com que ocorrem, ambas as impressões nos solicitam predicações que traduzam quantidades naturais em qualidades artificiais, ou seja, humanas. Porém, encontrar semântica que dê conta deles é tarefa inglória, pois as ideias que imediatamente nos sobrevêm em compaixão às muitas vidas que, por exemplo, um tsunami ceifa, conflitam com outras que dizem apenas da espetacular potência da Natureza.
Nesse final de abril de 2015, em menos de uma semana, o mundo assistiu à erupção do vulcão chileno e ao terremoto nepalês. Aquele, expulsando milhares de famílias de suas casas e privando nova-iorquinos de suas férias em Buenos Aires, e este, destruindo patrimônio da humanidade, matando cinco mil pessoas, e afetando oito milhões. Em resposta ao infortúnio que estes eventos causaram à tantas vidas humanas há a tendência de culparmos a Natureza, de projetarmos nela crueldade, violência e, o que mais denuncia a impertinência das nossas predicações, desumanidade.
Entretanto, paralelo à comiseração pelas vítimas das duas catástrofes, há o maravilhamento, do qual não conseguimos nos alienar, diante das proporções e das misteriosas estruturas destes acontecimentos universais, que por sua vez não têm, nem nunca tiveram, o homem, tampouco suas palavras, como princípio, meio ou fim, ou seja, como medida. Trata-se, então, não dos juízos que nós, partes, temos em relação às outras partes dentro do todo, mas das ideias que as próprias partes têm do todo dinâmico e astronômico do qual fazem parte.
A onipotência da Natureza, seja expelindo rocha derretida e fumaça a alturas de cinco quilômetros, seja tremendo os continentes por conta da lenta batalha geológica travada sob os nossos pés, incita-nos às nossas melhores palavras. Em contrapartida, para aquilo de que somos privados pela performance da Natureza temos outras expressões, e estas trazem significados mais vis. Diante desses mesmos fatos temos, contudo, predicados completamente opostos, mas que só são possíveis porque usados ora uns, ora outros.
Difícil mesmo é encontrar um substantivo inequívoco que diga da miríade de coisas que a Natureza envolve e cria, ao modo de ser sempre ela mesma, que não Natureza. Dizemos, aqui e ali, que ela é bela, mas, de modo algum, figuram-nos belas as mortes que ela causa acolá. Outrossim, falamos que a Natureza é providente. Porém, tendo extinto de dinossauros a borboletas monarcas, e ameaçando extinguir inclusive a humanidade, o termo “providente” jaz absolutamente relativo. A Natureza, portanto, aceita somente um nome: Natureza; tornando inútil o palavrório com que tentamos dizer, sem sucesso, o que ela de fato é.
Todavia, rotulamos a Natureza com a gama imensa dos nossos predicados porque somos afetados por ela, pelas alegrias e tristezas que ela nos causa. Esquecemos, não obstante, de que as nossas expressões qualitativas atendem melhor às partes, mas de modo muito impróprio ao todo. Mesmo assim, insistimos em definir o todo que nos afeta como se, reduzindo-o semanticamente, ele passasse a fazer parte das partes que o definem, ou seja, de nós. Porém, a Natureza nunca deu ouvidos à prolixa humanidade. Não que ela seja surda, senão porque sua língua é outra. Ademais, todo o discurso da humanidade é apenas um recente e superficial “tweet” na profunda e unívoca rede de acontecimentos que é a Natureza.