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A liberdade é um partido!

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Com a modernidade surgiu a ideia de que a história da humanidade é a história da liberdade, mais especificamente, da conquista da liberdade pelo ser humano. No entanto, quando falamos, e até mesmo lutamos por “liberdade”, porventura sabemos o que é esse objeto? Na pós-modernidade não é difícil encontrar quem diga que sim, que cada um conhece a liberdade, afinal, cada sujeito tem ideia do que, para si, a liberdade significa. Todavia, se cada indivíduo tiver o próprio ideal de liberdade, como se se tratasse de uma mera percepção subjetiva e singular, como poderíamos lutar conjunta e objetivamente por uma liberdade que valha igualmente para todos, e, assim, darmos continuidade à história que é a nossa?

Qualquer luta conjunta que pretenda alguma eficiência exige, em primeiro lugar, que haja um acordo em relação ao objeto pelo qual se luta. Mais ainda: um verdadeiro conhecimento desse objeto. E não é demais lembrar que a palavra “conhecer”, do Latim cognoscere, é a composição de “com”, que significa “junto”, mais gnoscere, que significa “saber”. Para a luta pela liberdade ser encampada eficaz e coletivamente, portanto, devemos saber juntos o que liberdade significa, em detrimento de ideias particulares, criticamente atomizados. Nesse urgente sentido, mobilizo aqui as duas concepções quiçá as mais contundentes, na nossa Idade, sobre a liberdade: a burguesa e a socialista.

Para os burgueses, liberdade significa o não impedimento dos indivíduos em seus propósitos particulares. Classicamente, a burguesia lutou para se ver livre dos impedimentos do Estado absolutista e da Igreja. Porém, não tinha por fim a liberdade enquanto tal. Apenas defendeu as “liberdades individuais” estrategicamente, fazendo delas meios para alcançar o fim propriamente burguês: dominar economicamente a sociedade. Já para os socialistas, liberdade significa mais do que apenas não ser impedido de realizar o que se busca. Precisa também ser o poder para os indivíduos materializarem os próprios objetivos. A liberdade burguesa enquanto não impedimento decerto é necessária para, enfim, os indivíduos terem a liberdade socialista de poderem realizar o que querem. Todavia, do ponto de vista socialista, a liberdade burguesa é apenas metade do caminho.

Aqui já podemos ver a importante diferença entre a liberdade burguesa e a liberdade socialista: a primeira significando apenas o não impedimento dos indivíduos por poderes extrínsecos a eles; e a segunda, exigindo que ao desimpedimento burguês seja necessariamente adicionado o poder necessário para que os indivíduos se realizem. Verdade seja dita, as liberdades individuais burguesas foram de valor inestimável para a humanidade: introduziram na tal história da liberdade o desimpedimento dos indivíduos em relação aos intransponíveis vínculos tradicionais do passado. O grande problema delas, entrementes, é que, apesar de boas, não são acessíveis a todos. Sãolibertárias apenas formalmente, e não real ematerialmente.

Só mesmo para um sujeito burguês privilegiado as liberdades individuais significam, ao mesmo tempo, desimpedimento e poder. Já para a imensa maioria das pessoas, que das liberdades individuais burguesas só colhem a migalha formal do desimpedimento, mas não o bife material do poder, para estes, enfim, as liberdades burguesas são tão distantes quanto opressivas. Essa opressão, no entanto, foi o preço sócio-histórico, pago pela maioria das pessoas, pela aventura burguesa de criar e salvaguardar (mediante instituições sólidas) as tais liberdades individuais, que, imediatamente, são inegavelmente boas aos indivíduos e, mediatamente, um passo evolutivo na história da liberdade humana.

Por isso os socialistas não rejeitam as liberdades burguesas, como ingenuamente se poderia pensar. Na verdade, levam-nas muito a sério, quiçá mais do que os próprios burgueses, pois, afinal, tentam fazer com essas liberdades o que o próprio liberalismo burguês não conseguiu, ou não quis fazer. De um lado, os socialistas afirmam que a liberdade enquanto desimpedimento é uma liberdade negativa, meramente formal, e mais importante, que a liberdade real não pode prescindir de poder. De outro lado, defendem a ideia de que o poder deve dizer respeito a todos e à humanidade como um todo, pois só assim os indivíduos serão igualmente livres e a história da humanidade enquanto história da liberdade poderá passar ao seu próximo capítulo.

Com efeito, mobilizando a visão marxiana clássica segundo a qual, do escravismo antigo à servidão medieval, e desta ao capitalismo moderno, o que temos é um processo histórico de libertação humana, o próximo passo que o filósofo previu para a humanidade, o socialismo, não poderia deixar de representar mais liberdade. De modo que o socialismo é o modo de as valorosas liberdades burguesas serem um bem não apenas para poucos (os dominantes), mas para todos, igualitariamente.

Fazer com que todas as pessoas sejam igualmente livres no sentido socialista do termo, ou seja, igualmente desimpedidas e empoderadas, deve ser o próximo passo na história humana da liberdade. Como vimos, a liberdade burguesa, por importante que seja, contudo, não tem condições de democratizar as benesses libertárias que trouxe ao mundo. Evoluir, dentre as opções de que estamos tratando, é investir na liberdade socialista: a liberdade que só se reconhece enquanto tal quando a sociedade como um todo a possui; como desimpedimento e como no poder.

Quem pagará o preço de a liberdade deixar de ser desigualmente particularizada para ser igualitariamente socializada? Essa pergunta permite ver que o ônus da mudança em questão recairá somente sobre a minoria burguesa privilegiada, cuja liberdade é, e no sentido socialista do termo, tanto a de desimpedimento quanto a de poder. Já à maioria desprivilegiada das pessoas, a mudança outra coisa não representará que o bônus do empoderamento material ao praticamente inócuo desimpedimento formal.

O próximo passo humano, no que tange à liberdade, precisa impedir essa minoria burguesa de possuir privilegiadamente o que a maioria desprivilegiada não possui: o poder material para efetivar a sua liberdade. É preciso confrontar socialistamente a burguesia assim como, outrora, elao fez comos poderes tradicionais que lhe impediam. A liberdade material e igualitária dos socialistas, portanto, deve superar a liberdade formal e particularista dos burgues assim como estes superaram a rede de rígidos privilégios medievais que impediam o modo burguês de produção de ter lugar no mundo.

Quando se pressupõe que história da humanidade é a história de sua liberdade, e, além disso, que esta é uma história na qual cada forma socioeconômica representa um passo no sentido da liberdade comparativamente à anterior, o aumento de nossa liberdade depende exclusivamente de que não paremos de caminhar. E o percurso à maior liberdade depende, hoje, de superarmos o particularista paradigma burguês de liberdade e de avançarmos para o igualitarista paradigma socialista de liberdade. E a tarefa pode ser mais fácil do que imaginamos, visto que não estamos falando de uma revolução, mas de simples evolução: da boa, mas desigualitária liberdade burguesa, à melhor, porque igualitária liberdade socialista.

A liberdade, como podemos ver, além de uma questão histórica, coloca-se como uma questão de partido, mais especificamente, de se tomar um partido em relação a ela. Nossas opções, no atual momento histórico, resumem-se a duas – e não na miríade de versões particulares e subjetivas, como insistiria o pós-modernóide. Pode-se tomar o partido dos burgueses e aceitar que a liberdade é boa e válida mesmo que seja para uns poucos – se bem que tomar este partido e não tomar nenhum acabam sendo a mesma decisão, visto que o paradigma burguês da liberdade é dominante. Pode-se em troca, tomar o partido dos socialistas, para os quais só existe liberdade quando todos forem igualmente lives. Leia-se: todos igualmente desimpedidos e empoderados.

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Nada contra a arte. Tudo à liberdade.

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Foto: Rafael Silva. Manifestação contra o cancelamento da Mostra Queer. Porto Alegre.

O cancelamento da Mostra Queer pelo Banco Santander, devido à pressão do Movimento Brasil Livre (MBL), traz uma questão que envolve arte e liberdade. Porém, as manifestações contrárias ao acontecido ainda são vulgares a ponto de colocarem a questão da arte e a questão da liberdade em um mesmo patamar, ou, o que é mais grave, de priorizarem a ofensa à arte em detrimento da afronta à liberdade. Mais do que não resolver o problema, sobrelevar a arte em relação à liberdade faz com que essa própria irresolução sirva (siga servindo) às forças reacionárias; ao próprio MBL. Por quê?

Em primeiro lugar, porque evitar tratar o autoritarismo do MBL apenas como uma censura artística, estética, mas, centralmente, como uma questão ética referente à liberdade enquanto tal, enfim, fazer isso permite apontar a contradição quiçá mais escandalosa desse vil inimigo: confrontá-lo com o fato de que, de um lado, ele se autodenomina liberal, ou seja, defensor das liberdades individuais, mas, de outro lado, furta, assumida e despoticamente, a liberdade tanto dos artistas quanto do público que quer fruir da arte deles. Focalizar na questão da liberdade permite metralhá-los com a crua verdade que lhes cabe: são nada além de conservadores; mais ainda, covardes, pois se disfarçam de não-conservadores mentindo que são “liberais”.

Se os integrantes do MBL realmente acreditam que são liberais, isso só pode se dar porque fazem uma confusão que, infelizmente, é muito comum: identificam totalmente os valores liberais com os valores burgueses. Porém, estes valores são e devem ser distinguidos. De uma parte, porque a burguesia não inventou a liberdade. Apenas precisou dela para alcançar seus propósitos capitalistas. A partir da modernidade os burgueses foram apenas mais uns a fazerem isso. Ademais, distinguir valores liberais de valores burgueses permite reconhecer mais claramente os burgueses que odeiam a liberdade. E há vários deles a serem reconhecidos… Se não o próprio MBL, sem dúvida o poder que o patrocina.

Razão mais importante para levar a discussão sobre o cancelamento da Mostra Queer do campo da arte censurada para o da liberdade ceifada é o fato de a liberdade ser a própria condição da vida civilizada e de todo progresso humano. Diante dela as demais coisas são e devem ser secundárias, inclusive a arte. Só havendo liberdade é que poderá haver arte livre – ciência livre, sexo livre, etc. Não seria absurdo, sem dizer ofensivo, uma arte livre em um mundo opressor? E quão abominável seria aquele que defende a liberdade da arte mas não luta com mais esforço pela liberdade enquanto tal? Só focando mais no valor da liberdade do que no da arte é possível levar o debate para um plano mais universal e efetivo.

Os verdadeiros liberais – não os do MBL, obviamente – sabem que a liberdade é um bem para a arte. E isso porque a liberdade é um bem para qualquer coisa humana. Agora, dizer o contrário, ou seja, que “a arte é um bem para a liberdade”, isso pode ser refutado apenas lembrando-se de que governos totalistas, como o nazista alemão e o comunista soviético, que usaram também a arte como ferramenta de poder, produziram tudo menos liberdade. Só se dá um verdadeiro primeiro passo para compreender e superar casos como o da mostra cancelada pelo Santander quando se deixa a esfera artística, estética, e se passa para a ética, colocando a liberdade como sumo valor humano a ser defendido.

Para mostrar que a liberdade importa mais que a arte, basta lembrar daquela máxima: “os maiores valores são aqueles pelos quais se está disposto a morrer”. Será que alguém, algum artista está disposto a morrer pela arte? Acho que não… Não se arrisca a própria vida por coisas que não valham tanto a pena. E não se arrisca a própria vida pela arte porque ela não é o valor último da humanidade, mas apenas um valor instrumental que, sem dúvida, colabora na obtenção, agora sim, do bem maior que a humanidade pode desejar: a liberdade.

Todos que são contrários ao mentirosamente liberais do MBL têm a obrigação de ser radicalmente liberais – todavia, sem serem burgueses! -, e por dois motivos. O primeiro, para deixar claro, por comparação forçada, que o MBL é absolutamente conservador. O segundo, de suma importância, porque defender a liberdade é lutar em prol do valor supremo da humanidade. Defender a liberdade da arte para o bem da própria arte é fazer metade do trabalho; é ser parcialmente humano apenas. Já aquele que defende a liberdade da arte para que a liberdade humana não seja comprometida, esse sabe o que é instrumentalizar o seu mundo em favor do que mais importa.

No caso Santander/MBL, muito antes da arte enquanto tal e das particulares obras de arte que foram censuradas, foi a liberdade que foi constrangida. Novamente: o problema não é estético, mas ético-político. A afirmação mais contundente, portanto, não é: “a arte deve livre”; mas sim: “deve haver liberdade, incondicionalmente”; pois havendo liberdade, fazer com que a arte seja livre é passo menor e mais fácil. Por isso, todo esforço sério contra autoritarismos como o do Santander/MBL deve se ater à questão da liberdade, apenas lembrada pela questão da arte censurada da Mostra Queer. Nada contra a arte. Mas tudo a favor da liberdade.

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Não pronuncie “fascismo” em vão!

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Os predicados “fascista” e “fascismo” estão, como se diz, “em bocas de Matilde”, sendo usados vulgar e indiscriminadamente a ponto de pretenderem significar coisas absolutamente opostas. Deve causar espanto o fato de progressistas e reacionários ambos estarem chamando uns aos outros de fascistas. Os primeiros querendo apontar autoritarismos, despotismos; os segundos, mais ignorantes, crendo e repetindo que “o fascismo é produto da esquerda”, e que, portanto, comunista e fascista são sinônimos. As duas partes, infelizmente, estão fazendo uso errado do conceito. Não à toa a dicotomia tupiniquim não está se resolvendo, mas, em vez disso, agudizando-se.

Diante dessa bagunça semântica, acredito serem duas as atitudes mais urgentes e prudentes a serem tomadas. Em primeiro lugar: recuperar e respeitar o significado inequívoco de “fascismo”. Afinal, uma relação civilizada começa e subsiste com a concordância em respeito às palavras e o que elas significam no mundo real. E, em segundo lugar, uma vez que “sábios” e idiotas não concordam mais sobre o que significa “fascismo”, mostrar que não se é idiota começa por saber o que é a coisa nomeada pela palavra em questão e só usá-la para se referir a essa coisa. Melhor ainda, porém não mais fácil, é dispensar totalmente a própria palavra “fascismo” e descrever mediante outras palavras e conceitos menos equívocos a realidade que queremos criticar. Por hora, mais sábio do que não usar a palavra “fascismo” em vão é dispensá-la absoluta e estrategicamente.

Slavoj Žižek, em seu “Alguém disse totalitarismo?”, critica Hannah Arendt pelo seu conceito de “totalitarismo”, acusando-a de cunhar um termo que, em vez de bem explicar uma determinada conjuntura sócio-histórica, ou mesmo um “novo” sistema de governo surgido no século XX, ao contrário, funciona até hoje como um “conceito tampão” que, no final das contas, impede-nos de conhecer aqueles eventos históricos singulares. Não tenho dúvida de que precisamos fazer contra a vulgarização do conceito de “fascismo” o mesmo que Žižek fez contra o de “totalitarismo”, de Arendt. Afinal, como podemos observar, hoje em dia, chamar alguém de fascista, ou um ato qualquer de fascismo, tornaram-se os atos vazios e covardes par excellence. Seja para se finalizar uma discussão – como as pseudopolíticas, nas redes sociais, onde já no terceiro ou mais tardar quinto comentário algo ou alguém é predicado de fascista e as discussões deixam de ser produtivas -, seja ainda para um único indivíduo encerrar o seu próprio pensamento – pois o contemporâneo fetiche da palavra “fascismo” está em iludir que tudo foi pensado, e que, portanto, só é preciso repetir a palavra. Mas aí podemos estar falando de papagaios inclusive.

Não pronunciar a palavra “fascismo” em vão, por exemplo, é significá-la inequivocamente ao radicalismo político autoritário e nacionalista que galgou poder no início do século XX na Europa, cuja origem jaz na Itália de Mussolini, e que teve lugar na Alemanha de Hitler, na Espanha de Franco, na França de Vicky, entre outras. Caso tenhamos a prudência de nos limitarmos a dizer, por exemplo, que “fascista” é aquele que coloca os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais, como aconteceu na Itália e a Alemanha da primeira metade do século passado, só aí, então, seremos civilizados a ponto de sermos compreendidos, digamos assim, mais universalmente, pois até mesmo o intelectual mais progressista e o idiota mais reacionário são capazes de concordar tal formulação.

A confusão em torno da palavra “fascista”, contudo, começa quando se quer fazê-la significar coisas no mundo real que, porém, já tem seus nomes acordados; seus conceitos mais e melhor universalizados. Por exemplo, tornou-se banal chamar de fascistas pessoas que cometeram meros – todavia não menos criticáveis – atos machistas, racistas, e até mesmo moral, política e economicamente ilícitos. O preço dessa banalidade é, de um lado, colocar dentro do guarda-chuva semântico do “fascismo” coisas que ele não tem dever algum de nomear, e, de outro lado, deixar de dar o nome certo ao boi que estamos criticando e que merece uma crítica e um nome certeiros, oxalá mortais. No exemplo do machista que é chamado de fascista, ao mesmo tempo ele é chamado de algo que ele não é, sem dizer que deixa-se de criticá-lo usando o(s) predicado(s) que realmente lhe cabe(m). Analogamente, é como esquecer, perdoar o crime do criminoso atribuindo-lhe um outro crime. Como podemos ver, o atual e indevido uso do conceito fascismo implica injustiça.

(Obviamente!) Não se trata de deixar de pensar, de falar da nossa crísica realidade e da sorte de autoritarismos que nos acossam e que apenas se parecem com o real fascism. Trata-se apenas de não chamar o nosso momento sócio-político-histórico – que só por este ou aquele “parentesco” lembra a Itália de Mussolini ou da Alemanha de Hitler – de fascista. Seja para não banalizarmos as radicais e monstruosas experiências históricas do século XX – o que seria imediatamente imoral e eternamente desumano; seja sobretudo para não deixar de dar, aos nossos próprios bois historicamente determinados os seus nomes específicos em vez de aliená-los por trás de outros mais equívocos.

Evitar ser confundido com um idiota é saber que o fascismo encontrou sua razão de ser em nacionalismos e racialismos radicais, e que o “ismo” do poder que hoje se coloca enquanto regime é outro. Diz respeito ao capital globalizado, que, ao contrário dos fascismo, tem na transnacionalidade e na trans-racialidade combustíveis excelentes. Pouco importa se se é indiano, norte-americano ou chinês; branco, preto ou amarelo; basta ter dinheiro, aliás, bastante dele, e, como disse Žižek, pode-se frequentar quaisquer ambientes, colocar os filhos nas melhores escolas, e por aí vai.

A expressão “fascista” vem do latim fasces. Significava “cetro”, “cajado”, do tipo que os magistrados da Roma Antiga usavam para ostentar poder, afastar ou e até mesmo agredir a plebe. Tratava-se de um feixe, em italiano, de um fascio de varas finas, cada uma muito frágil, porém, quando unidas e amarradas firmemente se tornavam inquebráveis. Quando Mussolini implantou o seu famigerado regime autoritário, usou o antigo símbolo. Portanto, o uso generalizado do conceito de “fascismo” por progressistas e reacionários os coloca, saibam disso ou não, em um grande fascio, se não totalmente ignorante, certamente produtor de ignorância. Escapar dessa obscuridade, portanto, começa por recusar-se a usar a palavra “fascismo” para significar movimentos sociopolíticos que não estritamente os radicais da primeira metade do século XX.

Em respeito à presente ofensiva reacionária da nossa direita contra direitos e liberdades populares, nós temos muitos nomes prontos e inclusive mais pertinentes. Basta resistir ao “conceito tampão” mais fetichizado do momento e criticar o que se quer criticar mediante palavras que reacionários e progressistas entendam e concordem com o que significam no mundo. Só então o crítico e o criticado (o progressista e o reacionário, ou vice-versa) estarão em relação civilizada, devidamente palavreada. Só assim será possível, se não superar, ao menos entender melhor os antagonismos presentes.