Neoliberalismo Político-Cultural na Cidade Sorriso

IMG_2199
Nelson Marchezan (esq.), prefeito de Porto Alegre, e, Luciano Alabarse, secretário de cultura.

O secretário de Cultura da capital portalegrense pelo governo do PSDB, Luciano Alabarse, participou do encontro promovido pelo Goethe-Institut chamado “Conversas Cidadãs” para debater “Política Cultural” com a comunidade. Entretanto, o mais próximo que se chegou do grande tema foi a apresentação, em números concretos, por parte do secretário, das políticas culturais da presente administração; e, da parte da plateia, contraposições atinentes à má assistência e até mesmo ilegalidades da atual política cultural estatal, outrossim referentes a fatos concretos. Um espaço franco como o que o Instituto Goethe promoveu entre a comunidade e o Estado, contudo, deveria ser também ocasião para a sociedade alçar-se a assuntos mais globais, pois estes são tão reais quanto determinantes nos casos particulares concretos. Infelizmente, não houve oportunidade para serem abordadas, abstratamente, isto é, independentemente da situação particular da Cultura em Porto Alegre, questões tais como: de onde partem as tais “Políticas Culturais”; a quem elas servem em primeiro lugar; e, o mais importante, que espécie de política resta e é combativa quando a “política cultural oficial” é problemática?

Nesse sentido, vale lembrar a distinção feita pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu entre “Política Cultural” e “política da Cultura”. A primeira, referindo-se à política culturalizante produzida e aplicada verticalmente por quem ocupa o poder político, e, sem ingenuidade, para benefício próprio. Como exemplos trágicos de “políticas culturais” temos as dos Estados de Mussolini, Hitler e Stalin. Contrapondo-se à “política cultural”, a “política da Cultura” é a organização e a mobilização política da categoria cultural para ter força diante da “Política Cultural estatal”. (Digo “categoria” e não “classe” porque é munição política ter bem claro que classes são apenas duas: a dominante e a dominada). Analogamente à distinção entre Estado e sociedade civil distinguem-se “Política Cultural” e “política da cultura”. A ausência dessa profundidade bourdieuana no “Conversas Cidadãs” acabou por impedir a plateia de poder criticar a própria ideia de “Política Cultural” e, consequentemente, de pensar uma outra política efetivamente em função da Cultura e de sua categoria.

Claro, para saber que a Política Cultural do Estado serve imediatamente a quem governa esse Estado é necessário saber também que os nossos Estados Nacionais são uma produção da classe dominante burguesa que afasta o povo do autogoverno via “a nossa democracia” representativa. Nisso, Marx sempre esteve certo: o Estado é um instrumento de dominação de classe. No ínterim estatal burguês, o povo ganha permissão para “participar do poder” apenas no cada vez mais inócuo expediente das urnas, sendo que em qualquer outra aventura popular em função de mais poder além desta será – como de fato é – constrangida legalmente e reprimida militarmente. Abstrair da ideia de “Política Cultural” as políticas culturais de um governo determinado permite ver inclusive que faz pouca diferença o Estado estar nas mãos de um partido de direita ou de um de esquerda: o Estado enquanto tal servirá à parcialidade às custas da totalidade. Sequer precisaríamos do exemplo peessedebista para vermos como e até onde políticas públicas são feitas para benefício de banqueiros e empresários.

Na ignorância desse fato, muitos participantes do Conversas Cidadãs, na defesa da Cultura e de sua categoria profissional, chegaram ao absurdo de, ingenuamente, defenderem que a categoria cultural deveria “sentar junto” com o secretário (do PSDB!) para “construírem conjuntamente” a solução para os graves problemas da cultura portalegrense. Alabarse, como legítimo representante do Estado neoliberal naquele auditório, elogiou diversas vezes a ideia. Entretanto, não por ser a solução para os reais problemas da Cultura e da categoria que dela sobrevive e nela se realiza, mas porque obscurece ainda mais a distância entre a “Política Cultural estatal” e a “política da Cultura”. Assim como o neoliberalismo mente uma igualdade onde não existe ao defender que é melhor deixar patrões e funcionários a sós para resolverem suas questões, assim também é mentiroso que seja melhor à categoria cultural sentar amigavelmente com o braço cultural do Estado como se houvesse paralelismo de metas entre eles.

Impossível não lembrar de Nicolau Maquiavel, filósofo italiano que deixou bem claro, lá na aurora da modernidade, que a ventura de uma sociedade não se dá na paz e na concórdia interna, mas na irresolubilidade do conflito político. Dessa perspectiva, obviamente, não é “sentando em paz” com o secretário do PSDB que a categoria cultural se beneficiará (assim como patrão e funcionários deixados sozinhos é bom só para o patrão). Maquiavelianamente falando, alguma autonomia à categoria cultural só será possível quando esta categoria se colocar, política e organizadamente, contra a verticalidade inerente a qualquer “Política Cultural estatal”, e, particularmente, contra a política cultural específica do PSDB. Por isso é importante manter a distinção de Bourdieu entre “Política Cultural” e “política da Cultura”: para não nos esquecermos de que no plano da “Política Cultural estatal”, ainda mais na de um Estado gestado neoliberalmente, não está a realização da Cultura nem tampouco a de sua categoria, mas somente no antagonismo a tal “Política”.

E o engodo neoliberal segundo o qual “a solução” é o secretário de cultura e a sociedade “sentarem juntos” para construírem o bem da Cultura portalegrense, estratégia que oblitera a dissimetria entre essas duas partes, serviu de trampolim para Alabarse dizer pública, vertical e neoliberalmente que “fora da parceria público-privado não há solução para os problemas da cultura local”. Resumindo: aceitar “sentar juntos” com esse representante do Estado é ter de engolir, de pronto, o propósito mor de seu partido: o privado – e às custas do público. Se isso fosse claro, a plateia não cogitaria pax alguma com o secretário, mas apenas uma incansável luta política, pois, com efeito, não se trata de a categoria cultural desejar que a política de seus governantes lhes sirva a partir de cima, acidental ou dadivosamente, mas, decisivamente, de fazer os governantes entenderem que é a “política da Cultura”, gestada e defendida pela categoria cultural, que deve ser tornada “a” política cultural do Estado. Pois assim o Estado não será obstáculo, mas, em vez disso, um meio de a Cultura e todos as pessoas que dela vivem realizarem-se cultural e materialmente. Se bem que, aí, nem poderíamos mais chamar essa coisa de Estado…

3 comentários sobre “Neoliberalismo Político-Cultural na Cidade Sorriso

  1. Sei que Democracia nunca foi sinônimo de Anarquia.

    A classe Política acabou, anarquizou com o Brasil e com seu Povo.

    A meu ver, “Sub Arte”, e nem tão pouco Arte alguma pode
    Liderar os
    IDEAIS DE UM POVO.

    Fora daqui os que promovem
    a sacanagem,a “pornôarte”,
    fora
    os larápios, a mentira que contesta a própria ciência, a
    Cristofobia,
    a dissolução da família…e por aí vai
    longe a peste maldita que
    caiu sobre o
    BRASIL.
    Queremos ser um Povo Feliz novamente.

  2. Ok… Filosofou bonito mas ficou no nhé nhé nhé …
    Qual é a sua proposta ?
    Vai ficar no utópico ou no limbo filosófico ?

    1. Em primeiro lugar, recomendo você reler o texto e encontrar o ponto onde deixo a crítica e entro com a proposta de Bourdieu como saída. Em segundo lugar, o que vc chama de “limbo filosófico”, na realidade, é a filosofia ela mesma. Encontrar respostas e soluções rápido demais é não suportar os problemas, as dúvidas; é fugir da profundidade das questões que nos inquietam. Se tem alguém que por essência convive com a angústia da abertura é o filósofo. De qualquer forma, obrigado pela interlocução. Abraço.

Deixe um comentário