Morte cerebral mundial

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Imagem: divulgação CBS

Braindead (morte cerebral) é uma série produzida pela americana CBS que começou a ser exibida há duas semanas. Na ficção, um meteoro cai na Rússia, é recolhido do fundo de um lago e é enviado a um laboratório em Washington para análises. Em uma noite, quando nenhum cientista estava por perto, milhares de “formigas” alienígenas saem da rocha e sorrateiramente invadem a capital norte-americana. Os “insetos” entram nos lares, penetram nos ouvidos das pessoas e dominam seus cérebros, alterando e controlando seus atos. Não escapam dessa dominação os grandes políticos nem seus eleitores. Na verdade, as absurdidades que aqueles passam a realizar são passivamente chanceladas por estes. Caos na terra?

Bem, a humanidade nunca precisou nem de ficção nem de alienígenas para criar o caos. Basta olhar para os lados e perguntar se as absurdidades que nos cercam atualmente já não atenderam desde sempre pelo nome de mundo. Por acaso deveríamos nos alarmar com o as desumanidades que estamos assistindo “worldwide  ou apenas assumir que o “american dream”, internacionalmente “broadcasted”, apenas nos alienou dessa vil&alarmante realidade que nunca deixou de estar “out there”?

Aqui vale lembrar o episódio de outra série mundialmente famosa, House of Cards, no qual um terrorista muçulmano diz que eles explodem e explodirão sistematicamente os americanos porque a missão deles é lembra-los de que a vida não é, nunca foi e nunca será esse sonho dourado livre da dor e da miséria que os americanos experimentam alienadamente e a altos custos mundiais. O radicalismo terrorista pode ser condenado por muitos aspectos, obviamente. No entanto, uma virtude ele carrega: a assunção de que o real não pode e não será ser roteirizado indefinidamente conforme as aspirações burguesas ocidentais.

O ocidente poderia perfeitamente dispensar os terroristas islamitas para encarar seu “american nightmare” como obra sua. As vigorosas ascensões fascista e fundamentalista; a xenofobia explicitada pela crise migratória internacional; a devastação da natureza que o nosso consumismo estrutural produz diariamente; sem dizer, no Brasil, do golpe de estado dado pela corrupta oligarquia financeira e, no México, das atuais mortes e desaparecimentos de professores manifestantes; tudo isso é a nossa realidade/pesadelo, produzida e vivida por nós mesmos, sem máscara ficcional ou estrangeira alguma.

Basta atentar às metralhadoras giratórias intolerantes e reacionárias de Donald Trump, nos EUA, e de Jair Bolsonaro, no Brasil, por exemplo. Ambos os bárbaros-políticos desrespeitam fascistamente a alteridade, e o que é pior, arrecadam para si hordas de indivíduos que compram e levam adiante os seus discursos desumanos, demasiadamente desumanos. E contra tais absurdidades o que temos? Infelizmente, impotentes hashtags e lágrimas virtuais em forma de postagens no Facebook e no Twitter. Trumps e Bolsonaros, agindo barbaramente na vida real, devem adorar a oposição virtual que recebem.

Novamente: chegamos a um ponto crísico onde o “mal” pode ser proposto deslavadamente e assistido passivamente, ou o mundo desde sempre foi essa crise? Fomos atacados por espécie de insetos que nos tornaram mais reacionários e passivos, assim como os personagens de Braindead, ou será que, diferente do seriado, essas formigas caóticas somos nós mesmos? Na ficção americana, isto é, dentro do “american dream”, os humanos são apenas as vítimas do mal, que pode vir tanto em forma alienígena, como muçulmana ou comunista, tanto faz. Fora da ficção, todavia, não há ser externo algum a nos obrigar a produzir e a disseminar o mal que vemos por aí todo o dia. Esse mal, desde sempre, é a própria humanidade em seu caótico devir.

Todavia, para nos alienarmos dessa realidade periclitante, muita ficção. Ou o que é o mesmo, muita mentira para transformar alguns de nós em um “outro” culpado pelos problemas de todos. Aí está o muçulmano, o imigrante, o gay, a mulher, o índio, o negro, o pobre, a esquerda, etc. Todos politicamente roteirizados para representarem os alienígenas problemáticos que descem ao mundo para acordar a elite ocidental do seu delicioso, porém insustentável, “american dream”. Se essa elite acordasse, veria claramente que seu inimigo íntimo é ela própria; o inimigo real que produz seus tantos inimigos ficcionais.

Braindead e suas formigas alienígenas fascistas são apenas mais uma tentativa de, mediante ficção, o ocidente seguir se alienando da verdade cada vez mais tácita, qual seja, que seu maior e mais calamitoso problema é ele mesmo, e não seus outros espetaculares. Em resposta a esse mundo de sonhos, pesadelos reais: terrorismo, crise ambiental, imigrantes clandestinos, miséria, etc. Afinal, a barbárie não desaparece sob os alienantes roteiros hollywoodianos. Como o terrorista islamita de House of Cards disse aos americanos, nós, os seus outros malditos, estamos aqui para não deixá-los esquecer do real.

 

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