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O bem dito Manifesto de Zuckerberg vs. o maldito algoritmo do Facebook

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Mark Zuckerberg, fundador & dono do Facebook, nesta quinta-feira 16 de fevereiro publicou um Manifesto em Defesa da Globalização. Espécie de “Ponte para o Futuro” para a próxima década de sua rede social, que, entretanto, assim como a golpista tupiniquim, mais mente levar-nos do presente a um futuro melhor do que de fato tem intenção e capacidade para tal. Assim como os nossos políticos corruptos fingem “representar” os interesses do povo enquanto tratam apenas de seus interesses privados, assim também Zuckerberg mente que “na última década o Facebook esteve focado em conectar amigos e famílias”, mas, como qualquer usuário do Facebook “sente na timeline”, a conexão principal vem sendo com empresas privadas e conglomerados midiáticos.

Zuck dirige o seu Manifesto à comunidade. À sua “comunidade”, obviamente. Teria feito bem maior para o futuro se tivesse se manifestado, de preferência silenciosamente, contra o maldito algoritmo de sua rede social, que, sob o pretexto de “criar comunidade”, na verdade produz bolhas de mesmidade cada vez mais incomunicáveis entre si. Ao contrário do que parece, nossos feed de notícias não são janelas que nos conectam à diversidade do mundo, mas um brete virtual através do qual somos constantemente reconduzidos para onde já estamos e de onde é cada vez mais difícil de escapar: nossos arraigados e preguiçosos hábitos e preferências. Se, como dizia Umberto Eco, a cultura de massa dividiu a humanidade em dois tipos: os Apocalípticos e os Integrados; o Facebook, em vez fazer comunidade com esses dois tipos antagônicos, sistematicamente conecta apocalípticos com apocalípticos e integrados com integrados.

Os ensimesmamentos solipsistas que o algoritmo do Facebook produz lembram as mônadas de Leibniz: unidades simples, autossuficientes e incomunicáveis entre si; microcosmos “sem portas nem janelas” que possuem em si a representação de todo o Universo e da relação entre todas as mônadas; mas que não podem exercer qualquer efeito umas sobre as outras. Só que as “mônadas facebookianas” não têm, cada uma delas, “a” representação do Universo, mas sim a “sua” representação. Se as de Leibniz não precisavam “dialogar” com as demais mônadas porque já compartilhavam com elas uma “ideia” fundamental, as do Facebook, em troca, não dialogam pelo motivo inverso: terem, cada uma, uma ideia completamente diferente. Antes de as “comunidades” monádicas do Facebook não quererem ou não poderem estabelecer comunidade entre si, é o próprio algoritmo da rede que furta delas essa possibilidade.

Mais grave do que “a comunidade facebookiana de Zuck” ser, ela mesma, uma mônada ignorante do que é uma verdadeira comunidade, é o fato de ela produzir tantas mônadas ignorantes em relação às demais quantos são os seus usuários; que, se não se percebem como tais, é porque a ausência de “portas e janelas” com a qual estão envoltos mente que é espécie de aquário, cujas paredes, no entanto, em vez de vidros transparentes, são feitas de espelhos. O Facebook é um mentiroso salão de espelhos, como o do Palácio de Versalhes: espetacular, sofisticado, capaz de repetir o mesmo, infinitamente, mentindo que ali está presente o mundo, mas, diferente do que Zuck quer fazer crer, não forma comunidade.

Em outras palavras, Zuck diz que o desafio do Facebook é criar soluções globais para problemas globais. Certamente falta a ele leituras sociológicas de vanguarda, segundo as quais: “para problemas globais, soluções locais”; ideia defendida por grandes intelectuais, como por exemplo, o recentemente finado Zygmunt Bauman, que em seu popular “Confiança e medo na cidade” esclarece que tentar solucionar um problema com o próprio problema outra coisa não é que duplicá-lo, que problematizá-lo. É como querer solucionar o capitalismo com mais capital; a bebedeira com mais álcool; o fascismo com mais egoísmo. O Bom-senso do velho e sensato sociólogo felizmente sobrevive para dizer a Zuck que, se “há pessoas que sentem que foram deixadas para trás pela globalização” – afirmação do dono do Facebook -, o problema é a globalização; precisamente, o modo como ela se dá; seu conceito que não consegue ser realizado. Ora, uma globalização que no final das contas é excludente sequer merecia esse nome.

No entanto, Zuck enche a boca para falar de “globalização” e “comunidade” enquanto o seu algoritmo, sob os ecrãs que simulam unir todos, produz glocalização (separação) e guetos virtuais que, infelizmente, não tardam em se materializarem na realidade. Exemplo disso é a divisão político-ideológica que tem espaço no Brasil atualmente. A incapacidade de “petralhas” e “coxinhas” estabelecerem diálogo, por exemplo, está muito menos em suas reais diferenças ideológicas do que no subterrâneo distanciamento em relação à alteridade que algoritmos como os do Facebook promovem através das redes sociais. Só que um verdadeiro espaço em comum não é aquele que somente “petralhas”, ou “coxinhas” compartilham entre si, sem a presença do outro. A comunidade de que mais precisamos é uma na qual as grandes diferenças possam compartilhar, e civilizadamente, o mesmo espaço.

Ao contrário da Lei de Coulomb, que, vulgarmente falando, diz que na natureza os opostos se atraem e os iguais se repelem -, a imperiosa “Lei Algorítmica do Facebook” é antinatural a ponto de aproximar iguais e separar opostos. Que universo se constrói com isso? Resposta: nenhum, apenas microcosmos insustentáveis; tão instáveis quanto a aproximação fortuita de duas cargas negativas, ou positivas. Aproximar iguais é duplamente burro. Em primeiro lugar, porque iguais não precisam ser aproximados. Tal aproximação já existe, mesmo que não seja noticiada em um mesmo feed. Em segundo lugar, porque a verdadeira comunidade de que precisa o problemático e excludente mundo globalizado é justamente aquela que possibilitará aos opostos compartilharem um espaço em comum; um locus onde “coxinhas” e “petralhas”, Apocalípticos e Integrados, bem como quaisquer pares de opostos que pudermos listar aqui, possam formar um universo humano.

A metáfora que a Lei de Coulomb e o modelo clássico de átomo têm para ensinar a Zuck é a seguinte: assim como a natureza não precisa aproximar elétrons de mesma carga negativa para que formem uma eletrosfera, nem tampouco prótons de carga positiva para que formem um núcleo, mas, em vez disso, junta elétrons com prótons para assim formar uma estrutura estável chamada átomo, assim também o algoritmo do Facebook não deve aproximar ideologias, gostos e práticas iguais ou demasiadamente similares para formar comunidade – iguais se entediam de si mesmos e se afastam! -, mas, em vez disso, sair do caminho dos opostos para que eles possam se atrair livremente. Quando os opostos não estão impedidos de se atrair, os iguais se organizam em função dessa atração.

Não há porque ter medo de deixar os opostos livres para atraírem-se. Como acontece nos átomos, os opostos elétrons e prótons se atraem mais do qualquer outra coisa, contudo, não se tocam; não se fundem; não querem ser o mesmo. O raio da órbita de um elétron é distância mínima que, tanto o elétron negativo quanto núcleo positivo, precisam para manterem, ambos, as suas alteridades. Sabe-se, também, que quem estabiliza essa atração/repulsão entre as partes negativa e positiva do átomo são os nêutrons, sem os quais os elétron se chocariam com os prótons e adeus átomo. Essa metáfora deve servir de exemplo ao futuro algoritmo do Facebook, que deveria se comportar como o nêutron, nem positivo, nem negativo, e por isso mesmo o cimento universal das “comunidades” atômicas.

O Manifesto de Zuckerberg é “politicamente correto”. Todavia, no sentido mais vil da popular expressão, pois, ou se é apenas e autenticamente político, e assim se constrói civilização; promove-se a realização do melhor para a humanidade; ou, ao contrário, não se é político, mas despótico. O vício condenável da político-corretice é querer fazer reluzir um verniz politico, civilizado, onde, na verdade, há um ato despótico que não tem coragem de assumir. E Zuck, nesse sentido, e sem aspas, é politicamente correto: sob a sua vendável apologia de uma “Comunidade Global” jaz o seu maldito algoritmo guetificador. Como se diz no Brasil: prega moral de cueca. Mas Zuck é um capitalista. E um dos mais bem-sucedidos da atualidade. Seu Manifesto, mutatis mutandis, poderia até fazer as vezes do ausente, porque desnecessário, Manifesto Capitalista. Todavia, ninguém deve esperar que a verdadeira comunidade futura, de que já carecemos presentemente aliás, virá de Manifestos tão distantes daquele que realmente se importou com o comum, qual seja, o Manifesto Comunista.

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A morte de Dona Marisa, e a do povo brasileiro.

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Cliquei no vídeo facebookiano da cerimônia do velório de Marisa Letícia Lula da Silva e, ao mesmo tempo em que amigos, colegas e o próprio Lula faziam os seus discursos presenciais, uma torrente de comentários virtuais pipocavam, em um ritmo impossível de acompanhar. Uns, humanamente, de amor e solidariedade; outros, desumanamente, de ódio e discórdia. Em apenas três horas de publicação, o vídeo já constava de quase 100 mil comentários em pleno e embate. Creio que nunca alguém irá lê-los todos. Impossível, não só pela quantidade, mas principalmente pela irracionalidade de, pelo menos, metade deles.
Assistindo a incessante sequência de comentários me perguntei: por que não se calam? Qual a dificuldade em apenas assistirem ao vídeo do velório da ex-primeira dama (ou não assisti-lo), terem os seus próprios pensamentos, e guardá-los para si mesmos? Ora, porque não se tratava, para esses milhares de comentadores compulsivos, do velório de Marisa Letícia, nem tampouco da dor da perda da família Lula, mas, antes, da única coisa que acontece no Brasil atualmente: a divisão radical.
Qualquer coisa, até mesmo a morte de alguém, seja por AVC ou pela queda de um avião, é estopim para os brasileiros se digladiarem histérica e publicamente, pervertendo os fatos que deram origem ao combate e abandonando completamente civilidade e humanidade. Só a divisão é. Só ela tem de ser. Nem que seja às expensas da tristeza que é uma família perder a sua mãe.
Esse é o meu comentário, que, entretanto, recusei-me a enfileirá-lo entre as centenas de milhares de outros, tresloucados e deslocados, que ainda pipocam ao lado do vídeo fúnebre. Se lá me calei, por que aqui falo? Talvez porque tenha me lembrado, tanto daquela máxima pós-Holocausto: “Impossível pensar depois de Auschwitz?”; como principalmente da sua refutação por Zizek: “Como não pensar depois de Auschwitz?”. Como não pensar no que os brasileiros estão fazendo consigo mesmos no agonístico presente? Em nome de quê estamos agindo assim?
Se percebermos que, durante essa divisão radical do povo, as elites apenas estancam as suas próprias sangrias e sangram esse mesmo povo com mais facilidade, em um furto deslavado de diretos e em um vilipendio da riqueza nacional em benefício de parcos proprietários de petrolíferas e empresas de telecomunicações, perceberemos também que essa mesma divisão odienta que o próprio povo empreende internamente é a sua própria ruína. Divisão essa que, se não foi arquitetada desde o princípio pelas elites (o que é mais provável), ao menos a beneficia muito.
Quando um povo não consegue ao menos silenciar diante da morte de um dos seus, independentemente de diferenças políticas e ideológicas, é porque não há mais povo de fato, mas apenas um bando de bestas servis sangrando umas às outras, assim como as elites sempre fizeram. Só que agora é o próprio povo que faz o trabalho sujo e odiento das elites; por elas; em nome da ventura e da riqueza delas.
O antídoto contra esse mal, contudo, é conhecido e acessível: a solidariedade do povo diante das dificuldades, seja na perda de entes queridos de uns, sejam em golpes de estado dado pelas velhas oligarquias contra todos. Mas a falta de solidariedade que levou alguns brasileiros a fazerem buzinaços comemorativos e postagens facebookianas vingativas, desde o anúncio da morte cerebral da ex-primeira dama até o seu velório, atesta somente a falta de solidariedade de uma turba que não é povo.
Além dos pêsames que todos deveríamos declarar aberta e solidariamente pela morte da brasileira, trabalhadora, esposa e mãe que foi Dona Marisa Letícia, temos ainda um outro, mais radical e insuportável, para dar todavia a nós mesmos. Este, pela morte do próprio povo brasileiro enquanto povo. Novamente: em benefício de quem?

Emoções, rótulos e Facebook

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Curtir não basta! O Facebook, ao lançar cinco novos botões para expressar emoções além do “curtir”, está dizendo que mais importante do que curtirmos o que vemos nos nossos “feeds” de notícia é deixarmos claro que há emoções por trás dessas curtidas. E, de acordo com a miséria emocional que os novos botões nos oferecem, se é alegria, graça, surpresa, tristeza ou indignação. Se porventura nos emocionarmos para além destes parcos rótulos, a solução é nos jogarmos no abismo dos comentários que, por algum capricho de Zuckerberg, ainda resiste abaixo dos novos botões.

A opção “comentar” sempre foi o espaço facebookiano adequado para, discursivamente, expressarmos não só as nossas “emoções”, mas principalmente as nossas opiniões a respeito das postagem que vemos. Só que comentar parece desafiador demais para a geração twitter que só se sente segura dentro de 140 caracteres. Então, eis os novos emoticons do Facebook para dar mais espaço à pobreza discursiva já bastante tácita nos comentários da rede social mais famosa do mundo.

Não que a nossa geração já não estivesse se valendo massivamente da paralinguística dos emoticons, inclusive e paradoxalmente no espaço linguístico reservado aos comentários. Isso, porém, desde sempre se mostrou insuficiente, visto que um “smiley” sozinho, como se diz, nunca fez verão. E para driblar os limites da miséria expressiva de um singelo emoticon, a estratégia vinha sendo enfileirar vários deles, por exemplo, um “smiley sorrindo”, três “aplausos”, dois “sois”, dois “smiley piscando” e quatro “corações” para se dizer algo.

O problema é que essas aventurosas sequências de ícones emotivos deixam os seus “leitores” como que diante de hieróglifos que, certamente, nunca traduzirão adequadamente o que seus autores pensaram ou sentiram. Aqui, todavia, é preciso perguntar se a dificuldade em desvendar o que uma “frase” composta de emoticons quer comunicar não é a mesma dificuldade de comunicação de quem se expressa através dela. Algo do tipo: “eu realmente não sei como dizer o que penso e sinto, então, vou me expressar de modo que ninguém tenha como saber exatamente disso”.

Questão complicada, a aventura emoticon para alguns linguistas mais otimistas e conectados significa espécie de expansão dos limites de nossa linguagem. Para outros, ao contrário, quer dizer apenas que, “emoticonicamente”, estamos regredido à primitiva linguagem que outrora garatujávamos no “mural” das nossas cavernas. Para estes pessimistas e apocalípticos, a sequência composta por ícones de cinco “homens”, três “smiley sorrindo”, duas “letras”, uma “caverna” e cinco “neandertais” será a forma com que futuramente escreveremos –no Facebook?- a seguinte história:  “a humanidade, depois que começou a usar emoticons no lugar das palavras, regrediu aos seus primórdios”.

O Facebook, ao instrumentalizar a conversão da miríade afetiva humana em ícones e rótulos, impõe-nos uma nova etiqueta rede-social que não deve ser desconsiderada. Etiqueta, oriunda do francês “étiquette”, era o rótulo que se colocava em envelopes em que se guardavam processos judiciais para indicar, do lado de fora, algo que estava do lado de dentro. Filosoficamente falando: uma aparência que apenas indica uma essência. Entretanto, não nos enganemos, o rótulo aparente não é nem tem como ser o conteúdo essente.

O preço do ícone emocional, ou o que é o mesmo, do emoticon, portanto, é a impossibilidade de traduzir a essência das nossas emoções, ou seja, nós mesmos. Aqui, não só as palavras protestam, mas, sumamente, a poesia, que melhor do que qualquer outra expressão humana comunica sublimemente a forma e a intensidade do que sentimos.

Somos bastante evoluídos para usarmos os emoticons do Facebook sem com isso deixarmos as nossas palavras nem a nós mesmos para trás? Talvez sim, mas somente se não nos esquecermos de que a cada vez mais disponibilizada superficialidade icônica dos emoticons outra coisa não faz que nos alienar da profundidade e da complexidade emotiva que pretendemos expressar através deles.

Marcados como inseguros

Fulano “foi marcado como seguro nos ataques em Paris”. Imediatamente, essa ferramenta que o Facebook está disponibilizando assim que ocorre uma tragédia em determinado lugar, como os ataques de 13/11, em Paris, é positiva. Afinal, é bom ser informado, o mais rápido possível aliás, de que alguém que conhecemos, ou de quem gostamos, que está ou poderia estar nalgum lugar atacado por terroristas, destruído por um terremoto ou pelo rompimento de uma barragem tóxica, está seguro. Entretanto, um segundo olhar pode mostrar que essa ferramenta que decide e informa “worldwide” a segurança de alguns dos seus usuários tem o seu lado negativo.
Em primeiro lugar, como não são as próprias pessoas que tomam a iniciativa de informar aos seus contatos que “estão seguras”, mas o próprio Facebook, baseado nas cidades que estão marcadas nos perfis dos seus usuários, nas localizações dos seu smartphones ou tabletes, ou nos locais a partir dos quais eles acessam a internet, e, outrossim, considerando que no mundo globalizado de hoje a localização geográfica de alguém é um dado assaz obsolescente, a tal ferramenta pode errar tanto quanto acertar.
Um exemplo: vi que uma amiga estava “marcada como segura” nos ataques parisienses. Na mesma postagem, entretanto, estava o comentário dela informando que estava no Brasil. Ou seja, o Facebook informou algo que teve de ser “desinformado” em seguida para que, digamos assim, “a verdade” terminasse informada. Melhor seria, obviamente, que a própria pessoa marcasse a si mesma “como segura em Paris” – no Nepal, ou em Mariana. Todavia, o que temos é uma pressuposição da empresa de Zuckerberg que precisa ser confirmada ou negada a posteriori.
Outro ponto negativo dessas particulares “marcações de segurança” é a imediata, todavia subjetiva, redução da gravidade dos eventos trágicos trazida justamente pela informação de que alguém das nossas relações pessoais está seguro em respeito a eles. Em outras palavras: 1) ficamos sabendo que mais de 150 pessoas morreram em um atentado na França; 2) isso é inquestionavelmente grave; em seguida, 3) ficamos sabendo que tais e tais pessoas que fazem parte das nossas vidas não foram afetadas; por fim, 4) temos uma tragédia que, para nós, é menos trágica. No entanto, mesmo que as vítimas do atentado parisiense tenham sido somente pessoas que não conhecemos, a tragédia em si mantém a mesma gravidade objetiva.
Agora, o ponto mais negativo de tudo isso é que ter sido “marcado como seguro” esconde o fato de que nós, na periclitante babilônia contemporânea, estamos completamente vulneráveis à ignomínia humana, ou seja, peremptoriamente “marcados como inseguros”. Afinal, não é exatamente isso que diriam os Charlie Hebdo assassinados em Paris, os mineiros soterradas pela lama tóxica da Vale, os refugiados sírios que se aventuram diariamente pelo Mar Mediterrâneo, só para citar alguns, todavia, todos comprovadamente “marcados como inseguros”?
Sim, somos “marcados como inseguros” no mundo em que vivemos. Melhor dizendo, “estamos” marcados como inseguros “pelo” mundo em que vivemos. E as marcações de segurança que o Facebook informa apenas escondem esse triste fato. Em troca, não estaríamos tão alienados da vulnerabilidade a que estamos sujeitos se a mesma rede social que eventualmente informa a segurança de alguns dos seus usuários informasse também, constantemente, a sempiterna insegurança de todos.
Por que somente “os seguros” merecem um “status” informativo? Não estariam os não-seguros, ou seja, todos nós, sendo varridos para baixo do tapete pela ferramenta facebookiana? Pior ainda, não seriam essas tranquilizantes “marcações de segurança” virtuais uma estratégia do mundo contemporâneo cunhada justamente para nos alienar ainda mais daquilo que de fato gera a nossa real condição de insegurança, qual seja: o próprio mundo contemporâneo?
Não obstante, para que não vejamos a angustiante imagem que mostra que estamos inseguros o tempo todo, em todos os lugares, recebemos, na segurança dos nossos feeds de notícia, pílulas-postagens que tentam nos convencer de que, pelo menos para alguns, há essa coisa tão desejada por todos, mas que cada vez mais falta, chamada “segurança”. Agora, a informação que realmente faria diferença, e que sem dúvida todos gostariam de ver postada nas redes sociais, mas que no entanto empresa privada alguma pode dar, não seria precisamente a seguinte: “o mundo foi marcado como seguro”?

O” meu Facebook” X o “Facebook do Facebook”

“Rolando” o meu feed de notícias do Facebook, percebi que as postagens dos meus amigos haviam desaparecido. Tudo o que eu via eram atualizações de páginas de notícia, de arte, de política etc. Teriam os meus amigos todos me abandonado? Rapidamente verifiquei que não; ainda estávamos “marcados” para nos seguirmos. Mesmo assim, eu nada mais via deles. Senti até saudade dos selfies – que na verdade eu nem gostava de ver -, e das reclamações sobre quaisquer coisas – que, entretanto, sempre ficam melhor ou numa mesa de bar, ou num consultório psicanalítico.

Entretanto, mesmo assim eu não tinha como aceitar o fato de o algoritmo do Facebook estar escolhendo por mim o que eu estaria vendo, decidindo que as postagens dos amigos que eu curto são menos importantes do que as atualizações das páginas que eu sigo. Com efeito, Zuckerberg havia me convencido de que eu podia estar conectado à milhares de pessoas, páginas e grupos dos mais diversos assuntos e interesses, tudo ao mesmo tempo. Era só clicar em “Curtir” ou “Seguir” e pronto: doravante eu veria tudo, de todos.

Claro, se o Facebook não “algoritmizasse” o que eu vou ver nele, e enfileirasse todas as postagens, de todas as pessoas e páginas que eu curto, certamente o meu feed de notícias, digamos de um dia, teria alguns quilômetros de extensão. Eu “rolaria” as notícias por horas, simplesmente para ver tudo o que foi postado em apenas cinco minutos facebookianos. Ou seja, nunca veria tudo o que os amigos que curto e as páginas que sigo postam. O Algoritmo de Zuckerberg, de um certo ponto de vista, não torna as coisas piores. Apenas transforma uma impossibilidade em outra.

Entretanto, não poder ver todas as postagens dos meus amigos “porque” elas são muitas, é bem diferente não vê-las “porque” o Facebook, diante dessa impossibilidade, pré-seleciona o que eu vou ver, privando-me ainda mais das tantas postagens dos meus amigos; preferindo no lugar delas as atualizações impessoais de suas tantas páginas. Como reverter a situação? Como vencer o algoritmo de Zuckerberg, e a que preço?

Os clássicos passos para se manter próximo de alguém no Facebook são comentar, curtir e compartilhar as postagens desse alguém. Todavia, tais procedimentos são de pouca eficácia, pois, estrategicamente, o Facebook não converte diretamente o grau de “fidelidade facebookiana” a alguém em maior contato. Mais importante para Zuckerberg é que eu veja exclusivamente aquilo que ele quer que eu veja e saiba. Portanto, não basta apenas interagir com os meus amigos “do” Facebook para tê-los cotidianamente “no” Facebook.

É justamente porque, para Zuckerberg, as atualizações das muitas páginas são bem mais importantes e lucrativas do que as dos meus amigos, que cada atualização delas precisa “engolir” de quatro a cinco postagens destes. Agora, se eu não curtisse tantas dessas páginas, o algoritmo facebookiano teria menos o que colocar no lugar das postagens dos meus amigos. Então, o passo seguinte foi “descurtir”, deixar de seguir tudo aquilo que ocupava o lugar dos meus amigos no horizonte do meu Facebook.

Depois de fazer isso, voltei a ver mais do que os meus amigos postavam. Claro, não tudo, pois hoje em dia postamos mais do que qualquer um pode ver, ler, curtir, comentar ou compartilhar. Ainda que o algoritmo de Zuckerberg pré-selecione tudo o que eu verei, o fato de eu estar curtindo menos daquilo que ele gostaria que eu visse, e ao mesmo tempo privilegiando apenas aqueles que eu gostaria de ver, o meu Facebook, ao menos, voltou a parecer mais o “meu Facebook”, e menos o “Facebook do Facebook”.

Não curtir tantas páginas e não ser amigo de tantas pessoas, portanto, foi o modo que eu encontrei para dar a volta no algoritmo de Zuckerberg; reduzir aquilo que ele queria que eu visse; voltar a ver aquilo que meus amigos fazem nessa rede social. Óbvia&infelizmente, ainda assim há a “algoritmização” zuckerberguiana por trás de tudo o que acontece no “meu Facebook”. Porém, eu bem posso não muni-lo com tantas “curtidas” e “seguidas” à pessoas e páginas que, quando em grande número, apenas se colocam no lugar umas das outras.

“Dando arma ao bandido”, acabava senão vendo somente aquilo que o Facebook queria que eu visse, sem sequer me dar conta de que os meus amigos, precisamente aqueles que me levaram ao Facebook, desapareciam do meu feed de notícias a uma taxa de quatro a cinco atualizações deles para cada atualização de uma página qualquer. Se o Facebook, capitalizando-se mediante o seu alienante algoritmo, tem a sua própria&vil economia, eu, por minha vez, posso ter a minha, ainda que dentro da dele: economizar “curtidas” e “seguidas”, não dar tanta oportunidade para ele manipular o que eu vejo, me alienar do que eu realmente curto e do que eu mais gostaria de estar vendo cotidianamente nessa plataforma virtual.

Verdade, opinião e comentário de Facebook

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Se, na realidade, muitas vezes é difícil para nós deixarmos de confundir verdade e opinião, imagina nas redes sociais virtuais, mais especificamente no Facebook, onde opiniões se empoleiram umas sobre as outras, relacionando-se entre si, cada vez mais distantes das pretensas verdades das postagens sob as quais opinam.

Acriticamente, partimos do pressuposto de que nossas opiniões atinam aos fatos, à verdades que carecem do nosso parecer para serem verdades de fato. Contudo, no Facebook é fácil perceber que muitas opiniões são dadas sem sequer levarem em conta fatos ou verdades alguns, mas somente outras opiniões.

A pecha entre verdade e opinião é bastante antiga, tem a idade da Filosofia aliás. Só que hoje, com a facilitada e banalizada intercomunicação virtual, temos um complicador novo, isto é, uma nova forma de nos relacionarmos com os fatos que os aliena tanto da verdade quanto da mera opinião. Qual seja: o comentários de Facebook.

Longe de convencerem de que atentam à verdade, e sequer de que são opiniões pertinentes, muitos dos comentários que lemos abaixo das publicações na mais popular das redes sociais, especialmente nas postagens que falam da política brasileira, dão a ver uma nova e bastante confusa forma de opinião que, para o bem da opinião, nem deve ser chamado assim.

O filósofo pré-socrático Parmênides de Eléia dizia que opinião é apenas uma ideia confusa acerca da realidade. Se é assim, os comentários de Facebook outra coisa não são que a confusão de uma confusão. Como estabelecer então, para o bem da opinião, uma distância entre opinião propriamente dita e comentário de Facebook, assim como, há 2500 anos, Parmênides distanciou verdade e opinião?

Para Platão, a verdade era assunto exclusivo da filosofia, e as opiniões, da sofística. Os sofistas, por suas vezes, contra-argumentavam que só havia opinião. Para os mestres do discurso, aquilo que os filósofos chamavam de verdade era apenas uma grande e potente opinião convencionada sócio-historicamente. Entretanto, a verdade platônico-filosófica venceu a batalha lá mesmo na Hélade antiga, reinando por milênios sobre as opiniões sofísticas.

Fazendo uma analogia da querela platônica-sofística com a atual realidade facebookiana, é como se os filósofos possuidores da verdade fossem, por exemplo, uma Folha de São Paulo ou um El País, cujas publicações se pretendem traduções da mais pura verdade. Já os sofistas, que eram da opinião de que só existia opinião mesmo, seriam os nossos comentadores de Facebook que acham que não precisam se fixar em verdade primeira alguma, apenas opinar indiscriminadamente.

A analogia, entretanto, falha no sentido de que os “sofistas atuais”, isto é, os comentadores de Facebook vão mais longe que os seus ancestrais gregos. A confusa inovação, hoje, está em que o objetivo principal não é ter uma opinião –inevitavelmente confusa, como diria Parmênides- sobre a realidade, mas justamente sobre as opiniões confusas que os outros “sofistas facebookianos” têm dessa realidade. O que importa mesmo é ter opinião sobre as demais opiniões. Dane-se a verdade.

Se, como disse Parmênides, a opinião é mesmo apenas uma ideia confusa acerca da realidade, o Facebook é o espaço excelente de sobreconfusão que distancia opinião e verdade como Parmênides e Platão juntos sequer poderiam imaginar. Por isso os comentários do Facebook não devem ser tomados por opinião de forma alguma, mas por algo muito mais confuso.

Tomemos os comentários de Facebook que se seguem de postagens sobre, digamos, a atual frente do governo federal brasileiro contra o Zika Vírus. Em vez de opinarem sobre as estratégias usadas para eliminar o Aedes Aegypti, se são eficazes ou não, precipitadas ou tardias, o que se vê são centenas de pessoas aproveitando o ensejo para falar da operação Lava Jato, do impeachment de Dilma, do helicóptero do Aécio, e por aí vai.

Em resposta a esses confusos comentários -que na verdade não comentam aquilo que deveriam comentar, afinal, o fato é sobre saúde pública-, outras centenas de pessoas -outrossim confusamente, isto é, sequer fazendo referência ao assunto primeiro- defendem, por exemplo, a Dilma ou governo do PT. Então, no meio dessa confusão generalizada, surgem outros comentários, contrários aos petistas de plantão, bravejando “Intervenção Militar Já”. E a verdade sobre o problema Zika Vírus, a opinião de cada um sobre a tática governamental no sentido de tentar ajudar a resolver o problema, onde ficou mesmo?

Ainda no mesmo exemplo, muitos dos confusos comentadores que, em vez opinarem sobre saúde pública pedem intervenção militar -embora muitos deles sejam acéfalos a ponto de realmente crerem que a ditadura é a melhor coisa para eles mesmos- sabem que, na verdade, pedir pelo fim da democracia é uma solução muito pior do que o problema que confusamente querem resolver.

No entanto, confundem deliberadamente aquilo que eles mesmos têm por verdade -que a democracia é melhor- em resposta às confusões de outros comentadores facebookianos, e assim por diante, restando claro que as opiniões de todos, desde o princípio, não visavam atinar à realidade, isto é, à ação do governo contra o Zika, tampouco à verdade, ou seja, as doenças que esse vírus traz à população, mas tão somente às opiniões confusas uns dos outros. A relação entre verdade e opinião, no Facebook, é uma confusa relações entre opiniões confusas.

A diferença entre verdade e opinião, tão obscura para os usuários do Facebook, para o filósofo alemão Immanuel Kant era claríssima. Para dele, a verdade era coisa exclusiva da ciência, sobretudo da matemática. Inclusive as verdades filosóficas outra coisa não eram que opiniões produzidas por uma razão metafísica que não sabia criticar a si mesma. Kant, nivelou sofistas e filósofos, e bem abaixo da verdade científica.

Fazendo mais uma analogia com o Facebook, agora a partir da crítica kantiana, não podemos tomar nem as postagens da Folha de São Paulo e do El Paí (só para não sairmos dos exemplos usados), que se colocam como verdadeiras! O que temos no universo facebookiano -mas infelizmente nõa no nele- desde o princípio são meras opiniões, que geram opiniões, que por suas vezes geram outras opiniões, e assim por diante: um universo de verdadeiras confusões!

Poderíamos até concluir que o Facebook é o apogeu da sofística. Não obstante, mesmo confundidos pelo universo confuso de Zuckergerg, ainda resiste a ideia de que existe uma verdade sobre os fatos em relação aos quais temos as nossas sobreconfusas opiniões. Só que hoje, com o Facebook, além de decepcionarmos Kant profundamente, envergonharíamos inclusive os próprios sofistas para quem tudo era opinião.

Escandalizaríamos sobretudo Parmênides. Afinal, se, como pensava o filósofo pré-socrático, a opinião é aquilo que confusamente achamos que é a realidade, com o Facebook a opinião gerou um duplo só seu, porém absolutamente mais corrompido e distanciado da verdade do que nunca, qual seja: aquilo que confusamente achamos do que os outros confusamente acham que é a realidade”. Em outras palavras: os comentários de Facebook.

Rainbow Blocs

A paleta de cores do já clássico&histórico junho de 2103 tupiniquim variava em cinquenta tons de black, cujo matiz mais radical era o bloc. Essa mono tonalidade massiva, contudo, não realçou uma vitória assaz colorida dada naquele mesmo ano, qual seja, o reconhecimento legal dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Já o colorido 26º dia de junho de 2105, cuja paleta popularíssima é o arco-íris gay gratuitamente oferecido pelo Facebook, comemora aquela vitória, entretanto, na festa da aprovação do casamento igualitário nos EUA.

Se junho de 2013 levou multidões das redes sociais às ruas, junho de 2015, por sua vez, traz as pessoas das ruas – das encruzilhadas de um congresso retrógrado, das vias de mão única do evangelismo malafáico, dos becos sem saída do preconceito bolsonárico – ao Facebook. Porém, a peculiaridade da manifestação-comemoração atual é trocar os coquetéis molotov caseiros de 2013 por bombas arco-íris em forma de filtro instagrâmico. Os manifestantes atuais protestam em cores! O jornalista Vitor Angelo, no seu Blogay, sacou sagazmente que “os avatares coloridos são um repúdio ao estado das coisas no Brasil”.

Poucas horas depois de anunciada a nova lei americana, os murais do Facebook eram um ‘bloc’ massivo de seis cores arco-íricas, borealmente solidário à igualdade, por um lado, e cromoterapicamente crítico à desigualdade, por outro. Entretanto, nem tudo são cores! Muitas pessoas estão criticando opacamente a colorização facebookiana, dizendo que se trata de mais uma onda colonizadora&imperialista, porém, desta vez, surfada por ninguém menos que Mark Zuckerberg, dono do Facebook.

No entanto, assim como na Natureza é a luz que brilha, mas não as trevas, as cores – que são brilhantes expressões da luz! -, juntas, em número de seis, e adotadas por milhares de usuários do Facebook, filtraram, reluzentemente, os cinquenta tons de cinza dos seus críticos de plantão, cujos matizes extremos são, de um lado, a densa escuridão do preconceito arraigado, e, de outro, o pálido lusco-fusco da indiferença em relação àquele.

Se a maré alta das seis cores mais populares no Facebook desse final de junho de 2105 ainda não inundou&pintou as ideias de determinadas pessoas, paciência imediata, mas resistência eterna! Afinal, é justamente contra estas telas-avatares fundamentalistas&antiaderentes, que não recebem o vermelho-vida, o laranja-poder, o amarelo-luz, o verde-natureza, o azul-arte e o violeta-espírito, que os pincéis-manifestantes da onda colorida devem insistir. Ora, se não fosse o breu do preconceito historicamente construído contra o amor livre, as cores da igualdade não seriam apenas as do arco-íris, mas as dos diversos tons-de-pele humanos.

No entanto, a luz e os seus espectros coloridos há muito se digladiam com a escuridão. Na Alemanha do século XVI, durante a guerra dos camponeses contra a aristocracia, a bandeira arco-íris foi empunhada pelo sacerdote Thomas Muentzer como sinal de esperança de uma nova era. Nos anos 1960, a bandeira colorida era usada como símbolo pacifista pelos italianos. Porém, foi Gilbert Baker, na San Francisco de 1978, que, reduzindo as cores da antiga bandeira de oito para seis, deu ao mundo o ícone do movimento LGBT que, hoje, matiza irreverentemente as ‘timelines’ facebookianas numa cruzada virtual para libertar o amor-livre-camponês do preconceito-homofóbico-aristocrata e anunciar a esperança de uma nova era de paz.

Por que, então, resistir ao poder das cores? Como não aderir, sem preconceitos adoecidos e com uma salutar esperança epocal, à força revolucionária que historicamente resiste nas faixas do arco-íris? Desculpem-me, mas, resistir a elas, hoje, é ser um vândalo destruidor da construção de uma igualdade mui necessária. É fazer como o Black Bloc de 2013 que, investindo mormente contra paradas de ônibus e Bancos Itaús, teve, contudo, de pagar o amargo preço de um congresso ainda mais reacionário, que, por conseguinte, legou-nos uma indigesta escalada religiosa-homofóbica a qual ninguém esperava nem desejava. Porém, não foram só os Black Blocs que pagaram esse preço, mas toda a sociedade.

Sendo assim, para que esse junho de 2015 possa reduzir, quiçá encerrar a conta evangélica-homofóbica aberta na sequência daquele junho de 2013, adesão irrestrita às cores, venham elas do arco-íris da Natureza, do antiaristocratismo camponês-alemão do século XVI, do pacifismo ítalo-hippie dos 1960, do LGBTismo californiano dos 1980, ou ainda dos filtros digitais facebookianos de Zuckerberg. Quanto mais não seja, porque, por uma ironia do destino nada gay, o uniforme de guerra histórico contra o preconceito ainda é o mesmo que a roupa de festa da comemoração da igualdade entre os amantes, sejam eles os brasileiros desde 2013, sejam os americanos desde 2015. Que possamos ser, todos&irrestritamente, Rainbow Blocs!

“Grande Outro” laboratorial

Quem adentra voluntariamente em um livro de filosofia já é, de certa forma, algo filosófico, ainda que em sua forma negativa, ou seja, em sua carência. Propor-se à leitura de um filósofo é colocar-se nessa relação através de um acorde de sentidos que harmoniza as disparidades que “po-pulam” no mundo. Já aquele que, de repente, é interpelado pela filosofia tem mais motivos para questionar o seu cabimento. A filosofia, portanto, encontra seu desafio máximo diante dos que não a querem, dos que não a buscam nem lhe atribuem propósito.

Tomemos, então, como o atalho filosófico máximo a leitura de um filósofo por outro; e como desvio absoluto, ainda que pareça absurdo, o não-filósofo que não é lido pelos outros não-filósofos. Todavia, desta última relação poderia sobrevir alguma filosofia? Nesta incerta experiência este “blog” encontra o seu propósito, pois, aqui, um não-filósofo – ainda que filosofando – busca fazer dos múltiplos seres da vida objetos a serem revistos, filosoficamente, em suas efemeridades perenes; e isso justamente em uma plataforma imediatamente superficial não-filosófica.

Filosofando no Facebook a impropriedade possível da minha filosofia confronta-se não com a rigidez acadêmica necessária aos verdadeiros filósofos, o que a acachaparia, mas com a impropriedade própria do meio na qual ela se propõe; pois, talvez, esta filosofia seja própria, no mais das vezes, justamente pelo fato de não ser lida por ninguém. Entretanto, mesmo que não seja lida por filósofos nem por não-filósofos, todos estes são o “grande Outro” abstrato para quem “essa filosofia” se escreve.

Lacan cunhou o conceito “grande Outro” para abarcar, teoricamente, tudo aquilo que não o indivíduo que o determina sobremaneira. Para o psicanalista, o país desse “Outro” tem suas fronteiras na Cultura e no discurso familiar, e cuja população são os entes da linguagem e os seus desdobramentos; porquanto a linguagem tanto nos antecede através do nome próprio que recebemos do mundo, quanto nos sucede nas percepções que imediatamente receberemos desse, ou expressaremos a esse mesmo mundo.

O “grande Outro”, a princípio, apresenta-se coercitivamente determinante, e a própria advertência wittgensteiniana de que “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo” corrobora com essa asfixiante determinação. Porém, esse “Outro” capital pode – e deve – ser encarado de outras formas. Se para Aristóteles “o ser se diz de várias maneiras”, o ser do “grande Outro” também deve, necessariamente, colocar-se de vários modos, inclusive uns que contradigam esse primeiro escopo condicionante.

Por conseguinte, no extremo oposto da limitação linguística wittgensteiniana está a absoluta liberdade que, não obstante, só a linguagem concede, dado que só através dela eu posso dizer desse “grande Outro” os desbarates que bem desejar. O “grande Outro”, portanto, é ao mesmo tempo um buraco-negro cuja gravidade dispõem em torno de si o mundo todo para melhor engoli-lo, como também um tabu eficiente no sentido de interditar o mundo que nos afronta, gerando assim um espaço sagrado, livre do pecado, no qual o “pequeno Eu” encontra liberdade e propriedade.

Então, enquanto eu digito “estas palavras”, esse “grande Outro” – encarnado por você que lê “isso aqui” – está, abstrata e instrumentalmente, apropriando-as. Todavia, não no sentido de que elas sejam apropriadas especificamente a você, pois, caso isso fosse tentado, fatalmente essa filosofia erraria o alvo. O que o “grande Outro” deste Laboratório Filosófico na verdade produz – ao colocar-se imediatamente atrás da minha nuca – é fazer com que esta filosofia não se dirija a alguém determinado nem a todas as pessoas, mas aos acidentes de leitura que decorrem do acidente que esta leitura mesma já é.

Logo, se você está lendo “estas palavras”, é tanto o “grande Outro” abstrato da vez quanto a máxima aproximação em relação ao “pequeno Eu” concreto que busca a sua validade universal. É precisamente por eu não saber quem você é; nem quando ou onde você lê esta filosofia; ainda que você não a leia; que “esta filosofia” é desta forma. Ou seja, é baseado na indeterminação máxima acerca de quem por ventura adentre nesse Laboratório Filosófico que ele se autodetermina.

O fato de “isto” não estar sendo escrito especificamente para você, persistente e generoso leitor, é o mesmo motivo que faz “disto” outra coisa que não uma carta pessoal. E, conquanto este texto não seja o meu diário, tampouco se dirige, ou serve só a mim. Estariam “estas letras” fatidicamente órfãs por destinarem-se não a mim nem a você, especificamente, mas a um interstício impessoal e universal propositalmente fantasiado de um tal “grande Outro” absolutamente abstrato? Eu permaneço aqui, concretamente, portanto, ao menos, há um pai solteiro. Você leu “isto aqui”? Se sim, somos dois; por conseguinte, muito brigado.

Se somos dois aqui, eu e você, isto é, o que escreve e o que lê, e se isto está funcionando conforme esperado, juntos damos concretude à abstração desse “grande Outro” que primeiramente possibilitou a este “pequeno Eu” estender o braço em direção ao “pequeno Eu” que é você. Revolucionamos assim, aqui e agora, o conceito lacaniano, pois o “grande Outro” do psicanalista se diz em um único, vertical e inescapável sentido. Por conseguinte, se você lê “estas três palavras”, e concorda com elas, apesar delas três nada dizerem de específico, somos nós que determinamos e limitamos o “grande Outro” que, entretanto, deveria nos condicionar e limitar.

Aceitando que o ser se diz conforme Aristóteles, isto é, de várias maneiras, o ser do “grande Outro” também deve ser múltiplo. Não por ser constituído de múltiplas partes, mas pelo fato de poder ser tomado de tantas “maneiras” quantas forem as suas partes. Por consequência, o “grande Outro” que autoriza este laboratório é, decididamente, ao mesmo tempo eu, você, nós dois, nenhum de nós, todos os outros, e inclusive ninguém. Caso se endereçasse especificamente, essa pretensa filosofia deveria jogar no lixo as suas próprias pretensões, porquanto esquecida da universalidade pressuposta à própria Filosofia.

Então, o “grande Outro”, para não ser tão culturalmente condicionante como queria Lacan, nem tão linguisticamente delimitante como sugeria Wittgenstein, deve ser colocado a serviço, vez ou outra, do “pequeno Eu” escravo seu. Neste Laboratório Filosófico o “grande Outro” trabalha junto deste “pequeno Eu” que filosofa. Porém, não no sentido de restringi-lo verticalmente, mas na medida em que sussurra advertências extremas, tais como: “Isso é demasiadamente pessoal” ou “Isso é impalpavelmente genérico”. À frente desse funcional e abstrato “Outro” coloca-se o concreto “Eu” a quem pertence o absoluto poder do “sim” sobre todas as palavras e ideias que se aventuram filosóficas neste laboratório.

Cobaias de Zuckerberg

Nessa semana foi divulgada uma experiência que o Facebook fez com 700 mil de seus usuários sem o conhecimento nem o consentimento deles. Metade deles recebeu somente postagens positivas nos seus “feeds”, enquanto a outra metade, negativas. Cada um dos dois grupos, depois do teste, seguiu postando e se envolvendo com material de mesma qualidade da experimentada nele. O site fez 350 mil pessoas mais felizes e, em mesmo número, mais tristes, sem que nenhum deles soubesse dessa manipulação que, segundo a empresa, trata-se de pesquisa para testar novos produtos. Até aqui, os produtos testados estão sendo os próprios usuários.

Somos os produtos-mercadorias do Facebook, e devemos estar tristes ou alegres conforme a necessidade dele, não mais de acordo com as nossas. “Quando uma nova forma de vida social surge, derrubam-se os velhos deuses”, disseram Adorno&Horkheimer; e, nas mãos de Zuckerberg, aquele deus que designava nossos sentimentos, ou seja, nós mesmos, é mercadologicamente derrubado. Por conseguinte, no Facebook, econômica e culturalmente “os homens tornam-se uma espécie de material, como é a natureza inteira para a sociedade”, como já haviam apontado os filósofos alemães, para quem “as particularidades do eu são mercadorias socialmente condicionadas, que se fazem passar por algo de natural”.

Ao equalizar sorrateiramente os sentimentos e as tendências dos seus usuários, o Facebook assegura-se de um mercado consumidor ainda mais alienado das próprias necessidades. Da publicidade Zuckerberg pescou o essencial: criar uma situação na qual desejamos exatamente aquilo que ele precisa que desejemos; e consoante à afirmação de Adorno, “o aparelho econômico já provê espontaneamente as mercadorias dos valores que decidem sobre o comportamento humano”. Logo, nos nossos “news feed” facebookianos, esse vil estratagema capitalista é perfeitamente dissimulado sob as “selfies” e as opiniões dos nossos amigos.

O que Facebook quer é a mesma coisa que a igreja cristã e os psicanalistas já queriam dos seus seguidores, isto é, o conhecimento e o controle sobre aquilo que há de mais íntimo neles, ou seja, seus sentimentos. No antigo confessionário, secreta e seguramente os indivíduos ofereciam seus pensamentos e sentimentos à análise do padre. A psicanálise sintomaticamente ampliou e capitalizou o confessionário, Hoje, contudo, confessamo-nos virtualmente nas “timelines” que não guardam segredo algum – pelo contrário, é para que sejam públicos que publicamos nossos pensamentos e sentimentos. Isso “porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal”, contribuem Adorno&Horkheimer. Assim, Mark domina o mundo.

O Facebook analisou secretamente as ações dos seus usuários, manipulou-as, e quando finalmente a estratégia é descoberta, ele reabsorve a reação das pessoas em relação à sua ação indevida para, então, retornar ao laboratório com mais propriedade. Afinal, conforme escreveu Adorno, “a falta de consideração pelo sujeito torna as coisas fáceis para a administração”. Na natureza zuckerberguiana nada se perde, nada se cria, tudo se capitaliza! E porque não dizer: se canibaliza? Sim, trata-se de um canibalismo rede-social que se alimenta de sua própria matéria, ou seja, nossos desejos, pensamentos e sentimentos. Essa autofagia potencializa-se no fato de, segundo Adorno, “o sujeito recriar o mundo fora dele a partir dos vestígios que o mundo deixa em seus sentidos”.

“Todo gozo é um abandono de si mesmo a uma outra coisa”, disseram Adorno&Horkheimer. Por consequência, a tática facebookiana subversivamente apraz a seus seguidores no sentido de que “a decisão que o indivíduo deve tomar em cada situação não precisa mais resultar de uma dolorosa dialética interna; as decisões são tomadas pela hierarquia, pelo esquema da cultura de massa”, colocaram os dois pensadores. Isso se dá, segundo eles, porque “a regressão das massas, de que hoje se fala, nada mais é senão a incapacidade de poder ouvir o imediato com os próprios ouvidos”, e de nos entregarmos cegamente às mediações objetificadoras em toda e qualquer interação a que nos propomos.

Os dois filósofos da Escola de Frankfurt há muito nos alertaram de que “o próprio acaso [já] é planejado; ele serve como álibi dos planejadores e dá a aparência de que o tecido em que se transformou a vida deixa espaço para as relações espontâneas e diretas entre os homens”. No entanto, acreditamos piamente que o acaso a Deus pertence e que as relações “espontâneas entre os homens” pertencem aos homens e às suas espontaneidades. A fortuna de Zuckerberg ri da ingenuidade de seus mais de um bilhão de usuários mundo afora. O ser humano, contudo, “só se reencontrará consigo mesmo”, dizem Adorno&Horkheimer, “quando renunciar ao último acordo com esses inimigos e tiver a ousadia de superar o falso absoluto que é a dominação cega”. 

Homo Extinctor

Foi veiculada a notícia de que o último Rinoceronte Negro foi caçado, e sua espécie, oficialmente extinta. Postagens com a foto do animal figuraram no facebook, para nós, humanos, agentes ativos desta tragédia, curtirmos, comentarmos e compartilharmos, ao modo de um clique, como que observadores passivos. Entretanto, “não há o animal no singular genérico, separado do homem”, aponta Derrida, “existe viventes cuja pluralidade não é oposta à humanidade”.

O news feed do nosso mundo memético sobrepõe-se sobre o drama genético que se desenrola desde que o homem se organizou em sociedade; drama no qual mais de 90% dos seres vivos que já existiram foram extintos, de acordo com o biólogo Dougal Dixon. E não para por aí, pois para o secretário sobre a diversidade da ONU, Oliver Hillel, até 2030 perderemos 75% das espécies restantes, pois ele estima que 150 delas sejam extintas todos os dias no mundo.

Derrida articula a passividade animal à sua nudez, afirmando que “o próprio dos animais, e aquilo que os distinguem do homem, é estarem nus sem o saber”, no entanto, a propriedade mais triste deles parece der a de serem extintos sem o saber. Mais que da Natureza, os animais são a Natureza, porém, com a ajuda do homem, despediram-se dela ao embarcar na Arca de um tal Noé, transformando-se em animais de circo e de zoológico. Agora, cada um deles aguarda a sua vez de ser desaparecido definitivamente.

“O teatro insensato do completamente outro que chamamos animal”, conforme escreveu Derrida, esvazia-se genocidicamente para o homem performar o seu solitário monólogo. O filósofo ainda afirma que é com base em uma falta, ou um defeito do homem, que este se faz mestre da natureza e do animal: uma falta que ele empresta ao animal e instaura sua propriedade. A natureza do homem parece, portanto, ser a de atuar solitariamente e a de assistir desatentamente tal atuação, protagonizando-se justamente sobre cada antagonista que extermina em cena aberta.

De Aristóteles a Lacan, muitos foram os que se perguntaram se os animais podem pensar, não obstante chegando à conclusão alguma. Na falta dessa resposta, permanecemos fiéis a Descartes e ao seu “penso, logo existo”; porquanto sem pensar, não se tem direito próprio à existência. No entanto, foi o filósofo Jeremy Bentham, nos 1790, que fez a pergunta mais pertinente em relação à existência animal: “eles podem sofrer?” Aí fica mais difícil não considerá-los. Derrida, mais tarde, alimentou essa questão perguntando: “eles podem não poder sofrer?” Quase podemos sentir na pele a resposta.

E que sofrimento seria maior que a extinção de uma espécie, de uma forma única de sofrer, e em primeira instância, de existir? No entanto, “os homens fazem tudo o que podem para organizar em escala mundial o esquecimento dessa violência”, criticou Derrida. Atualmente, cientistas se propõem à clonagem de espécies extintas, como que industrializando a preservação da natureza. Teremos, portanto, Rinocerontes Negros, Visons Marinhos, Tigres do Cáspio, Leões do Atlas, entre muitos outros, produzidos conforme a demanda, tal como produzimos iphones. Estes últimos, aliás, bem apropriados à visualização da extinção que impomos à natureza, para curtirmos, comentarmos e compartilharmos o cruel e insustentável legado que somos.

 

Faceburca

As telas através das quais nos conectamos ao mundo-rede-social assemelham-se às pequenas aberturas das vestes islâmicas, os niqab, com as quais carne e osso são encobertos, e só o olhar – e aquilo que é visto – é evidenciado. Quando no facebook, por exemplo, nossa existência se resume no rastro daquilo que olhamos e, do outro lado, nos olhares enquadrados nos estreitos rasgos das demais burcas virtuais. Mundo de ausências, ou como afirmou Beckett, um universo um vazio infestado de sombras.

Cabe aqui a pergunta de Alain Badiou: como um sujeito pode sustentar-se a partir do momento em que desaparece e em que somente o próprio ‘eu’ é sua única atestação? A resposta, também do filósofo, é a de que “só existe verdade autêntica sob a condição de podermos escolher a verdade”. Portanto, visto que o real é a impossibilidade dessa escolha, ou seja, o irresistível, encontramos na virtualidade a liberdade em relação ao real. Também aventamos aí uma dignidade segura e desejada, porquanto “toda vulgaridade vem da incapacidade de resistir”, já afirmou Nietzsche.

A superficialidade subjetiva nas redes é proveitosa porque, “evocadas segundo sua ausência, as coisas tem uma energia poética sem precedente”, pois “aquilo em que uma verdade se apoia não é a consistência, mas a inconsistência”, disse Badiou. Por conseguinte, encontra-se força e potencialidade inimagináveis justamente no enquadramento redutivo das redes sociais virtuais; não obstante, em detrimento da materialidade sensível, propriedade até então das redes humanas tradicionais.

Uma vez no palco virtual, o ator é obrigado a encenar seu avatar conforme o manda o figurino, e este, aqui proposto, é a faceburca, que reduz o ser àquilo que sai do olhar, bem como o nele cai através dos displays digitais: cópia pálida e apropriada daquilo de caótico que se esconde por detrás dos panos. “Um simulacro é sempre a substituição de uma fidelidade […] pela encenação de um vazio”, já afirmou Badiou, pois, mais fácil é “contentar-se subjetivamente com o simulacro”.

No entanto, de acordo com o filósofo francês, “as narrativas têm como única função propor-se como matéria para a dúvida”; e ainda que nesse mundo virtual sejamos somente nossos olhos, devemos, através deles, duvidar sempre das narrativas que a eles se oferecem. A verdade nua e crua, aquela da qual o sujeito não consegue escapar quando está frente a frente, corpo a corpo, é essa a que mais se oculta nos rasgos da faceburca. Contudo, a vantagem que podemos tirar das máscaras, segundo Oscar Wilde, é a de que a verdade melhor se mostra através da mentira na qual se esconde.