Marcados como inseguros

Fulano “foi marcado como seguro nos ataques em Paris”. Imediatamente, essa ferramenta que o Facebook está disponibilizando assim que ocorre uma tragédia em determinado lugar, como os ataques de 13/11, em Paris, é positiva. Afinal, é bom ser informado, o mais rápido possível aliás, de que alguém que conhecemos, ou de quem gostamos, que está ou poderia estar nalgum lugar atacado por terroristas, destruído por um terremoto ou pelo rompimento de uma barragem tóxica, está seguro. Entretanto, um segundo olhar pode mostrar que essa ferramenta que decide e informa “worldwide” a segurança de alguns dos seus usuários tem o seu lado negativo.
Em primeiro lugar, como não são as próprias pessoas que tomam a iniciativa de informar aos seus contatos que “estão seguras”, mas o próprio Facebook, baseado nas cidades que estão marcadas nos perfis dos seus usuários, nas localizações dos seu smartphones ou tabletes, ou nos locais a partir dos quais eles acessam a internet, e, outrossim, considerando que no mundo globalizado de hoje a localização geográfica de alguém é um dado assaz obsolescente, a tal ferramenta pode errar tanto quanto acertar.
Um exemplo: vi que uma amiga estava “marcada como segura” nos ataques parisienses. Na mesma postagem, entretanto, estava o comentário dela informando que estava no Brasil. Ou seja, o Facebook informou algo que teve de ser “desinformado” em seguida para que, digamos assim, “a verdade” terminasse informada. Melhor seria, obviamente, que a própria pessoa marcasse a si mesma “como segura em Paris” – no Nepal, ou em Mariana. Todavia, o que temos é uma pressuposição da empresa de Zuckerberg que precisa ser confirmada ou negada a posteriori.
Outro ponto negativo dessas particulares “marcações de segurança” é a imediata, todavia subjetiva, redução da gravidade dos eventos trágicos trazida justamente pela informação de que alguém das nossas relações pessoais está seguro em respeito a eles. Em outras palavras: 1) ficamos sabendo que mais de 150 pessoas morreram em um atentado na França; 2) isso é inquestionavelmente grave; em seguida, 3) ficamos sabendo que tais e tais pessoas que fazem parte das nossas vidas não foram afetadas; por fim, 4) temos uma tragédia que, para nós, é menos trágica. No entanto, mesmo que as vítimas do atentado parisiense tenham sido somente pessoas que não conhecemos, a tragédia em si mantém a mesma gravidade objetiva.
Agora, o ponto mais negativo de tudo isso é que ter sido “marcado como seguro” esconde o fato de que nós, na periclitante babilônia contemporânea, estamos completamente vulneráveis à ignomínia humana, ou seja, peremptoriamente “marcados como inseguros”. Afinal, não é exatamente isso que diriam os Charlie Hebdo assassinados em Paris, os mineiros soterradas pela lama tóxica da Vale, os refugiados sírios que se aventuram diariamente pelo Mar Mediterrâneo, só para citar alguns, todavia, todos comprovadamente “marcados como inseguros”?
Sim, somos “marcados como inseguros” no mundo em que vivemos. Melhor dizendo, “estamos” marcados como inseguros “pelo” mundo em que vivemos. E as marcações de segurança que o Facebook informa apenas escondem esse triste fato. Em troca, não estaríamos tão alienados da vulnerabilidade a que estamos sujeitos se a mesma rede social que eventualmente informa a segurança de alguns dos seus usuários informasse também, constantemente, a sempiterna insegurança de todos.
Por que somente “os seguros” merecem um “status” informativo? Não estariam os não-seguros, ou seja, todos nós, sendo varridos para baixo do tapete pela ferramenta facebookiana? Pior ainda, não seriam essas tranquilizantes “marcações de segurança” virtuais uma estratégia do mundo contemporâneo cunhada justamente para nos alienar ainda mais daquilo que de fato gera a nossa real condição de insegurança, qual seja: o próprio mundo contemporâneo?
Não obstante, para que não vejamos a angustiante imagem que mostra que estamos inseguros o tempo todo, em todos os lugares, recebemos, na segurança dos nossos feeds de notícia, pílulas-postagens que tentam nos convencer de que, pelo menos para alguns, há essa coisa tão desejada por todos, mas que cada vez mais falta, chamada “segurança”. Agora, a informação que realmente faria diferença, e que sem dúvida todos gostariam de ver postada nas redes sociais, mas que no entanto empresa privada alguma pode dar, não seria precisamente a seguinte: “o mundo foi marcado como seguro”?

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