Tarde demais para os deuses e cedo demais para o Ser

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O ser humano é transição, e, exclusividade sua, consciência disso. Somos a espécie que não só conhece, mas, principalmente, promove a própria evolução. E essa ininterrupta promenade se expressa em todas as dimensões humanas. Economicamente, vemos isso nas transições históricas, por exemplo, do escravismo para o feudalismo; deste para o capitalismo; e deste último para algo que ainda não sabemos o que, mas que até bem pouco tempo se acreditou piamente ser o socialismo. Entretanto, hoje em dia a descrença nas profecias econômicas à lá Marx nos permite chamar o sucessor do capitalismo apenas de pós-capitalismo.

As transições econômicas que fizeram dos escravos servos e dos servos proletários são conhecidas, cognoscíveis, embora sempre abstratas para nós, contemporâneos. Já a transição de igual envergadura na qual estamos compreendidos, essa não nos poupa da angústia concreta em não saber para onde estamos indo. O fato de não conhecermos o que é esse até então tautológico pós-capitalismo, com efeito, é motivo para espécie de angústia histórica. Os conceitos-bengala pós-proletáriado e pós-capitalismo dão conta apenas parcialmente do ainda desconhecido horizonte diante de nós; pouco anestesiam a dúvida do que de fato virão a ser.

Embora não estivesse falando de economia, o filósofo alemão Martin Heidegger expressou o dilema do homem em meio à transição, todavia do realismo ao relativismo, através da seguinte frase: “Chegamos tarde demais para os deuses e cedo demais para o Ser“. O filósofo queria dizer que a sua idade histórica –que ainda é a nossa- perdeu a fé nas verdades absolutas, isto é, nos deuses, mas ainda não sabe lidar com o Ser, ou seja, com a multiplicidade infinita de interpretação do real. Nesse ínterim no qual nem os deuses nem a pluralidade de sentidos do real nos oferece um chão seguro, ou acreditamos que nada é verdadeiro, ou que a única verdade absoluta é o nada. Eis o efeito colateral do niilismo que deu cabo da modernidade e inaugurou a contemporaneidade humana.

Retomando a dúvida e a perplexidade acerca do que será chamado esse pós-capitalismo tautológico-acessório que com efeito capitulará o inconcluso capítulo econômico histórico  do qual somo os protagonistas, a frase do filósofo alemão pode ser de grande ajuda. A transição econômica pela qual passamos não poderia ser expressa assim: chegamos tarde demais para o capitalismo e cedo demais para o ____________? Um marxista, obviamente, completaria a máxima tascando, sem pestanejar, um socialismo. Isso, no entanto, não seria apenas fazer de um fundamento passado a regra para um presente e um futuro outros? Em outras palavras, a reeleição de um velho deus?

Dizer que chegamos tarde demais para o capitalismo significa que, embora ainda estejamos absolutamente imersos nele, não conseguimos mais crer que ele possa dar conta das necessidades econômicas de todos os indivíduos, mas só de uma minoria deles, cada vez mais minoritária aliás. Não há mais dúvida de que a liberdade revolucionária que o capitalismo significou para o servo medieval, hoje em dia, é liberdade apenas para as elites. Nem o jovem deus que prometeu libertar as pessoas das regulações, qual seja, o Neoliberalismo -termo cunhado em 1938 Ludwig von Mises e Friedrich Hayek- consegue mais manter-nos beatos seu.

Quanto mais não seja, porque segundo George Monbiot, no artigot Para compreender o neoliberalismo além dos clichês, a vangloriada liberdade neoliberal resultou na liberdade dos patrões para reduzir os salários e explorar os trabalhadores; a liberdade em relação à regulamentação significou destruição da natureza; e a liberdade para distribuir a riqueza findou como liberdade para não fazê-lo. De fato, conforme aponta Thomas Piketti no seu Capital no século XXI,  hoje em dia a concentração de renda nas mãos de cada vez menos gente é maior do que em qualquer outro período histórico. É de espantar seguir até o final o texto e os gráficos da obra do economista francês!

Muito tarde para o neoliberalismo e muito cedo para o pós-neoliberalismo? Por certo, mas outrossim demasiado tautológico. Muito cedo para que exatamente? Eis a pergunta que não quer calar. Se, entretanto, a difícil transição metafísica de que falava Heidegger era entre os deuses e o Ser, isto é, entra a univocidade e a plurivocidade absolutas do real, a que está sendo abordada aqui deve ser dita entre a univocidade de uma doutrina econômica, cujo vício entretanto é atender cada vez menos indivíduos, e a plurivocidade de um devir econômico no qual o interesse de todos seja contemplado.

Em se tratando de economia, o que seria então o Ser heideggeriano, isto é, a multiplicidade infinita de interpretação do real? Ora, se, como aponta Monbiot, o deus neoliberal elege “a competição como definidora das relações humanas, e os cidadãos como consumidores que decidem democraticamente o seu destino apenas ao comprar e vender“, a pluralidade de sentidos do real pós-neoliberal, por sua vez, deverá no mínimo significar que as relações humanas não sejam pautadas exclusivamente pela competição nem pelo consumo. Não que a plurivocidade do real econômico vindouro deixe de constar dessas práticas, afinal, menos plural o real seria, e, consequentemente, mais próximo dos deuses permaneceria.

Economicamente, pluralidade absoluta, ausência total de deuses e de verdades únicas, portanto, deve ser uma realidade na qual cada indivíduo possa realizar as suas necessidades materiais da forma que melhor lhe convir, sem, contudo, tal liberdade impedir quem quer que seja de realizar o mesmo, da forma que achar melhor. Os críticos da social democracia dirão que tal liberdade repetirá vícios históricos; que atenderá somente os interesses da burguesia; que o neoliberalismo se aproveitará dela para exercer-se imperiosamente sobre todos. E têm certa razão nisso inclusive.

Porém, tal crítica é pertinente até o ponto onde percebemos que o neoliberalismo, encimando imperiosamente a realidade econômica outra coisa não faz senão se colocar como um deus absoluto. O maior problema dessa doutrina econômica é até aqui não ter conseguido compatibilizar-se com a pluralidade absoluta em relação a qual, segundo Heidegger, chegamos cedo demais. Entretanto, como dito antes, a plurivocidade do real à qual chegaremos não será total se a famigerada liberdade neoliberal for excluída desse real. Tarefa difícil conciliar o real todo com suas expressões mais contraditórias! E é justamente essa dificuldade que aponta a nossa precocidade em relação ao Ser!

Nesse sentido, o passo que precisamos dar para, senão estar definitivamente no Ser, ao menos mais próximo dele e mais distantes dos deuses, deve ser fazer com que o neoliberalismo possa não ser absoluto e invencível; impedi-lo de ser um deus ele mesmo. Pensando assim, estar entre o deus capitalista e o Ser pós-capitalista significa que estamos no tempo de furtar do neoliberalismo a sua patológica tendência absolutizante. Os revolucionários radicais, por certo, dirão que se trata de reformismo. Entretanto, até onde podemos garantir que a revolução rápida e violenta do Manifesto Comunista de Marx e Engels, corroborada por Lenin no seu O Estado e a Revolução, seja a melhor saída depois de termos visto que as revoluções russa e cubana em menos de um século ruíram diante dos ditames neoliberais?

Para quem busca o Ser, isto é, a plurivocidade de interpretação do real, insistir na clássica, todavia monológica estratégia que prega que devemos começar com a revolução violenta em função da ditadura do proletariado não seria nos mantermos demasiado próximo dos deuses? A modernidade que levou Marx a escrever tal cartilha, com efeito, estava muito mais próxima das verdades absolutas, ou seja, dos deuses, do que nós, contemporâneos. Embora tenham sido os verdadeiros assassinos de Deus, os modernos ainda estavam com o punhal e com as mãos sujas do sangue divino; demasiado contemporâneos daquilo que nós, contemporâneos, já somos e devemos ser avant garde. Reviver velhas doutrinas apenas nos fará démodés.

Se ainda não conseguimos precisar em relação a que chegamos cedo demais para além das tautologias “pós-capitalismo”, “pós-liberalismo”, se ainda é um enigma que real plural fará com que a competição e o consumo não determinem exclusivamente as relações e a sobrevivência material humanas, é porque ainda não conseguimos nos desvencilhar totalmente dos deuses do passado, das verdades de pretensão absoluta que ainda nos convencem de que devem ser interpretadas univocamente. Aqui podemos parafrasear a máxima heideggeriana novamente para nos encontrarmos na transição histórica em que estamos: chegamos cedo demais para nos desvencilhar totalmente dos deuses e, portanto, muito mais cedo ainda para sermos capazes de encarar o Ser.

A tarefa histórica da nossa particular transição, por conseguinte, deverá ser seguir na cruzada contra as verdades absolutas, aberta todavia antes de nós, justamente porque ela não foi concluída. Isso fica claro quando percebemos que diante do real não vemos muitas alternativas além da permanência do neoliberalismo ou da revolução socialista. Que pobreza imaginativa! Quão pouco plurívocos ainda somos! Ora, duas possibilidades nos afastam quase que diametralmente da pluralidade de interpretações do real que o Ser que deverá se seguir exige. Dois deuses não fazem o Ser. Negam-no duplamente aliás.

Como colocado no início, estarmos livres dos deuses e sermos finalmente contemporâneos do Ser, ou seja, da plurivocidade infinita do real, de forma alguma deve significar sustentar que nada é verdadeiro nem que a única verdade absoluta é o nada. O niilismo é bem mais virtuoso do que isso! Inclusive os monológicos liberalismo e socialismo não devem ser negados, nadificados, mas compreendidos entre muitas outras formas de, economicamente, a humanidade existir no mundo. Só não podemos seguir insistindo somente nessas duas teclas. A história da nossa transição, que dará cabo dos deuses e conta do Ser, exige que usemos todas as teclas disponíveis e que, ademais, inventemos todas as outras que nos faltam. Só então teremos condições de gozar o real em suas infinitas possibilidades.

A linguagem é do Ser

Ao enunciarmos uma frase desejamos, basicamente, atribuir um predicado a um sujeito, e que essa atribuição tenha pertinência tanto para nós quanto para os nossos interlocutores, ou seja, que contenha uma verdade. Ainda que uma construção linguística seja voltada à ficção, aonde o objetivo é iludir, a intenção é fazer com que os ouvintes ou os leitores creiam verdadeiramente no que se está comunicando. Portanto, damo-nos por satisfeitos quando, depois do ponto final, aqueles que nos ouvem entendem, da forma como desejamos, o sujeito enunciado através do predicado que a ele atribuímos.

Entretanto, embora a linguagem se preste corriqueiramente a predicar sujeitos de acordo com as ideias que deles fazemos, Tomás de Aquino, já no século XIII, dizia ser este o escopo imperfeito e colateral da linguagem humana. De acordo com a teoria do filósofo medieval, quando dizemos, por exemplo, “a parede é branca”, ou “o homem é um animal”, buscamos apenas dizer o que uma coisa é, ou como ela é; e acreditamos que através da construção linguística tocaremos a verdade da coisa da qual falamos.

Inclusive enunciados mais difíceis de serem decifrados se verdadeiros ou falsos, qual seja, “o baldrame é egrégio”, se esclarecido que o sujeito é uma “pedra de alicerce”, e o predicado significa “proveniente do mar Egeu”, o enigma se desfaz e doravante nos assenhoramos disso como uma verdade. Ora, a linguagem tem o poder de transformar o insondável em algo dado porque os nomes, uma vez dispostos em torno de um verbo, parecem ser verdades tácitas que dispensam qualquer perscrutação ulterior. A única coisa que resta a verificar é se a relação entre os nomes feita pelo verbo é correta, mas não os nomes eles mesmos.

É precisamente por conta dessa eficaz ilusão com que as palavras se nos parecem verdades absolutas que São Tomás diz ser a linguagem, do modo como a usamos, uma ferramenta inócua. No exemplo acima citado, “o homem é um animal”, nossa razão nos leva apenas a verificar se a coisa chamada “homem” é a coisa chamada “animal”. Entretanto, se buscarmos as definições do que é “homem” e “animal”, o tempo de investigação ontológica necessária a uma conclusão segura pode ser o mesmo da idade da própria filosofia.

É só tentar definir o que é “homem” para perceber que a miríade semântica que se oferece à correta significação da palavra gradativamente solapa o seu significado até então dado. O mesmo aconteceria com a palavra “animal”, pois por trás do seu conceito ordinariamente manuseado por nós se esconde um mistério inversamente proporcional à nossa certeza acerca dele. Portanto, o nosso trabalho de verificar se o predicado corresponde ao sujeito – e isso estando cientes de que ambos são mais desconhecidos do que a relação que entre eles fazemos através de um verbo -, não nos aproxima da verdade das coisas que falamos, mas afasta-nos dela.

Percebendo que na maior parte das vezes as pessoas usam as palavras mesmo sem saber as suas significações universais; outras tantas usando-as apenas tocando superficialmente a sua verdadeira significância; e ainda utilizando-se delas ao passo que para cada interlocutor as mesmas palavras têm outros e outros significados; Tomás de Aquino intuiu que não era nos sujeitos nem nos predicados que residia o ser da linguagem, já que eles eram seres inconclusos nas nossas ideias. O que sobrava? O verbo que os reunia. Apenas as relações feitas pelos verbos entre estes entes misteriosos é que poderiam ser verdadeiramente conhecidas, mas não as partes conectadas pelo verbo.

Para melhor entender a residência da substância da linguagem no verbo, o princípio da identidade formulado por Parmênides pode ser de grande ajuda. O filósofo pré-socrático estipulou haver referência verdadeira sempre que a=a, mas não em a=b. Ora, se “a” é “a”, e isso é inquestionável, independente do que “a” signifique, podemos intuir que a verdade da linguagem – que diz que uma coisa é aquilo que ela é – não existe nos significados dos sujeitos nem dos predicados, mas no verbo de cujo poder relacional depende a verdade.

Dessa forma, sendo o verbo o ser da linguagem, resta dizer que por trás de todos os verbos há outro, sempre o mesmo, que lhes serve de substância, e este é o verbo “ser”. Ao dizermos, por exemplo, “a mulher casou com o homem”, dizemos essencialmente que “a mulher ‘é’ casada com o homem”; também em “o homem envelheceu” significa que “o homem ‘é’ velho”; e por aí vai. Portanto, todo verbo esconde em si o verbo “ser”, porquanto toda e qualquer ação “é” antes de receber alguma predicação que defina de que tipo ela é.

O verbo “ser” no mais das vezes se oculta atrás de formas substantivas, particípias ou adjetivas, como quando “casou” substitui “é casada”, ou “envelheceu”, “é velho”. No entanto, apenas o verbo “ser” é, e somente ele pode fazer com que um sujeito seja o predicado que a linguagem lhe atribui; pois, de acordo com Parmênides – o fundador do princípio da identidade -, se “a” é “a”, não importando o que “a” venha a ser, apenas o ser é! Agora podemos voltar a Tomás de Aquino e à essência da linguagem humana afirmada por ele.

Se não podemos ter certeza absoluta do que significam ontologicamente os sujeitos e os predicados, mas mesmo assim temos certezas a partir de suas apresentações linguisticamente estruturadas, e isso sendo possível apenas através do verbo que os liga – sem esquecer que sob todos os demais verbos trabalha exclusivamente o verbo “ser” – a linguagem não existe para predicar sujeitos, ou para sujeitá-los aos predicados. Porém, faz dos sujeitos e dos predicados forças, ainda que essencialmente desconhecidas, com as quais testa exclusivamente a potência e a valência  do verbo “ser” que tudo relaciona.

O que São Tomás disse, portanto, foi que em qualquer frase que construamos a única coisa que se predica de fato é o verbo “ser”. Pois ao dizer “a parede é branca”, ou “o homem é um animal”, independente da verdade ou falsidade das sentenças, é só verbo “é” que se arrisca a ser verdadeiro ou falso; apenas ele é definido e redefinido a cada vez que se encontra encurralado por dois nomes. Logo, a linguagem serve muito menos para expressarmos as coisas do modo como as pensamos do que para dizermos o que é o “ser” ele mesmo, incólume de quaisquer sujeitos e predicados. Talvez para, quem sabe, no dia em que o “ser” estiver tacitamente definido por e para nós, podermos então esclarecer o que são, em verdade, os tantos sujeitos e predicados com os quais enchemos as nossas frases.

A trágica consciência da inconsciência

O homem é muito mais que uma consciência, é a consciência de sua consciência. Todavia, o que o diferencia irremediavelmente de todos os outros animais – e isto é revolucionário – e a consciência de sua própria inconsciência. Somos o que conhecemos e, mais importante, aquilo de que não temos conhecimento, sendo a inconsciência a estrutura principal dos indivíduos enquanto indivíduos. O que eu sei provavelmente é sabido pelos demais, visto que o saber é contingente e cultural. No entanto, é precisamente aquilo que me escapa totalmente o que me diferencia de todos os outros e me torna único, conquanto esse conhecimento permaneça velado inclusive para mim. É por estar sujeito a uma ignorância totalmente ignorada pelo mundo que eu sou um sujeito inquestionável para mim mesmo.

Outra característica da consciência humana é a invenção da felicidade e da tristeza enquanto objetos outros que não ela mesma, doravante estando, essa consciência, completamente sujeita a tais objetos seus. Porém, a falta, e consequentemente a tristeza, são os objeto de trabalho da consciência, podendo-se dizer que são a própria consciência em si, dado que presenças incontestes porque insuportáveis: plenamente conscientes. Já a felicidade, que é plena justamente quando não objetificada, ou seja, não condicionada às externalidades que vão e vêm ao sabor do real, relaciona-se com a inconsciência ao modo de fundá-la e sustentá-la. A consciência da felicidade é, antes, a consciência daquilo que pode privá-la de tal felicidade; ou, depois, daquilo que pode solapá-la; de forma que a consciência da felicidade é a consciência do seu oposto absoluto, isto é da tristeza de não ser, ou de não mais ser feliz.

A felicidade, para existir, deve ser inconsciente de suas causas; esquecida dos desígnios mundanos que a principiaram; pois, uma vez conscientes disso tudo, está irremediavelmente consciente da presença daquilo que não é a felicidade. Logo, felizes estamos quando inconscientes da miríade de eventos reais que nos conduziram até essa experiência que ficciona um ideal no cerne do real. A felicidade, portanto, exige a alienação, ainda que momentânea, do caminho que conduz até ela, ou, do contrário, por memorial, não se diferenciaria da tristeza. Quando felicidade e tristeza são uma coisa só, isto é, não são opostos digladiadores a se diferenciarem, temos a vida como ela é, absolutamente universal, animal; de forma alguma aquela que nós, enquanto sujeitos, percebemos e instituímos.

A invenção humana da tristeza e da felicidade objetivas são o reflexo das realidades da consciência e da inconsciência no real, ou seja, os espaços subjetivos de existência daquelas. Essa obra humana, no entanto, pode ser vista como um grande erro: sintoma da primordial tomada de consciência acerca dos atavismos da vida; e, em função disso, a salvaguarda inconsciente daquilo que os soluciona: a temporária inconscientização daquela consciência primeira da qual não se escapa. Entrementes, esse erro resultou em nós, humanos, seres que só são porque entre felicidade e tristeza, entre consciência e inconsciência. Exilados destes sofisticados opostos, voltamos a ser os animais de outrora. Entretanto, apesar dos demais animais serem, como nós, um universo fechado em suas próprias necessidades e soluções, eles assumem essa imanência de tal modo que, ao contrário de nós, não chegam a tomar consciência disso tudo.

Não havendo consciência, tampouco há inconsciência, visto que esta decorre necessariamente daquela. É por sermos conscientes do que nos falta, e por essa falta faltar à sua própria auto-apresentação, que é fundado um lugar chamado de inconsciente, aonde essa falta existe em sua plena ininteligibilidade. O inconsciente, dessa forma, funciona como um útero que, a partir da consciência do real contingente, gera, a despeito desta, a vida que lhe falta conscientemente, isto é, realidades. Tomando esse movimento metafisicamente, a consciência seria o ser, enquanto a inconsciência, o não-ser-em-vias-de-ser-já-sendo. Logo, a inconsciência labora os mundos negados pela consciência, contra esta, funcionando, sintomaticamente, em função e em conjunto com a consciência. Consciência e inconsciência são-nos uma coisa só conquanto nos tomemos por animais. Porém, uma vez humanos, elas devem ser cindidas e afastadas uma da outra pelo estranho distanciamento chamado de sujeito.

A inconsciência da consciência é animal ou divina. Entrementes, as consciências tanto da consciência quanto da inconsciência são exclusivamente humanas; essa é a condição à qual estamos sujeitos – e desse sofisticado conceito não conseguimos nos alienar. A própria dialética obtusa e secreta que são os nossos pensamentos revelam o interminável diálogo interno daquilo que é – a consciência – contestando o que não é – a inconsciência -, na mesma discussão em que o não-ser reivindica ser. Porém, aqui, a felicidade pergunta-nos se, ela mesma, não seria o quieto silêncio que encerra esse ardente diálogo, e se sua inimiga complementar, a tristeza, não seria o próprio debate em seu vívido discurso. O animal, se pudesse, responderia que sim, que a felicidade está certa em pensar-se dessa forma. Mas, para ele, a felicidade está certa justamente porque não é outra coisa que não ele mesmo.

A quietude interna – a inconsciência da consciência – é a natureza que o animal não deixou. Logo, só ele pode ser conscientemente feliz, pois não há inconsciência subversiva alguma em seu ser; e talvez isso se dê, precisamente, porque ele não dá nomes aos seus próprios bois: encarna silenciosamente todos eles. Já o homem, permanentemente sujeito ao intervalo inventado por ele mesmo entre a tristeza e a felicidade – e em sentido paralelo, entre o que lhe é consciente e o que não –, através da consciência de sua inconsciência é impelido a nomear inclusive os seus fantasmas, e uma vez denominado o que lhe falta, é inventada a distância real entre ele e a sua própria felicidade. De modo que só se está feliz quando não se sabe pelo que se está passando sem que haja a menor necessidade de saber os porquês dessa experiência. Uma vez trazida à consciência, essa felicidade é convertida naquilo que a privava, ou naquilo que a ameaça.

A consciência, portanto, ilumina a infelicidade obscurecida pela dialética interna do sujeito, infelicidade essa que havia se calado diante da sobrenatural retórica do inconsciente; e isso em benefício do próprio sujeito cuja unidade só se dá a partir dessa cisão entre suas duas esferas de consciência que se reúnem exclusivamente no diálogo. O silêncio interno, como aquele observado nos animais depois de satisfeitas as suas necessidades naturais, não obstante é chamado de tédio por nós humanos, em nada se parecendo com o nosso ideal de felicidade. Essa felicidade quieta que ressoa do acorde harmonioso entre consciência e inconsciência, nas mãos daquela transforma-se em infelicidade; e quando aportada na inconsciência, inconscientiza-se de a tal ponto que, a inconsciência da própria inconsciência, erradica o humano em prol do animal que um dia ele deixou de ser. Logo, ser plenamente feliz é deixar de ser humano, é resgatar o acordo quebrado com o universo e esquecer-se, ainda que por breves instantes, de todas as determinidades do mundo – ainda que, sob esse nome, a felicidade insista em se dizer humana. Uma vez consciente de qualquer particularidade, há a trágica consciência de todas as outras, inclusive daquelas que nos causam tristeza.

Apesar de o homem ter inventado e batizado a felicidade, somente os animais podem ser plenamente felizes. Isto porque não são conscientes, mas plenamente inconscientes disso. Os animais são felizes sem saber, já o homem não o é justamente por ter a felicidade em consciência. Trazendo à natureza a inconsciência da consciência os animais inventaram aquilo que, posteriormente, nós invejamos tanto neles, e cuja inveja, traduzida em linguagem humana, foi chamada de felicidade. O homem, pioneiro da consciência da inconsciência no cosmos, inventa, portanto, a assunção da falta, a infelicidade estacionária e a tristeza transcendente; todas elas coisas suas, dado que conscientes. Somos animais todas as vezes em que somos realmente felizes, pois isso que chamamos de felicidade – que em cada época nossa é investido de conotações históricas-culturais diversas – para além da sofistaria oculta sob dessa palavra, pertence inconscientemente ao universo enquanto inconsciência de si próprio.

Somente o ser inconsciente da inconsciência universal pode ser inconsciente de sua própria consciência, e, sem distanciamento algum, ser absolutamente o que é no momento em que é. Só aí a felicidade pode ser, mas somente se não for consciente nem de seu próprio nome. Isso é tudo menos humano. Nós, conscientes da nossa própria inconsciência, fizemos da inconsciência algo humano, não universal; e da consciência, aquilo que separa-nos do universo. A consciência dessa separação é a falta consciente, e sua alienação, o re-acordo com a inconsciência universal, que, por ser inconsciente, é feliz em si mesma. Os deuses gregos eram absolutamente bem-aventurados, e nada lhes faltava, porque se mantinham totalmente alienados das necessidades dos homens. Estivessem eles conscientes das faltas terrenas, e até das suas, deixariam de ser divinos e decairiam em humanos: aqueles conscientes inclusive daquilo de que são inconscientes. Foi o homem que inventou a infelicidade ao traslar a felicidade para o mundo da consciência. Portanto, não há paz no mundo dos homens, só além e aquém dele, isto é, no chão animal ou no céu divino; lugares que a consciência e a inconsciência intentam representar, tragicamente.

O nó górdio do ser

A questão mais cara à filosofia, e também a mais antiga, ou seja, o que é o ser, é de uma complexidade górdia, isto é, só pode ser resolvida através de um erro. O domínio da Ásia Menor esteve, durante quinhentos anos, profeticamente condicionado a quem conseguisse desatar o mais famoso dos nós, de mesmo nome do seu inventor, Górdio. Em 334 a.C., Alexandre, o Grande, no insucesso em desfazê-lo corretamente, cortou-o com sua espada, tornando-se, assim, o senhor daquela região. Todavia, permaneceu a dúvida: o nó de Górdio poderia ter sido desfeito digna e corajosamente ou cortá-lo, covarde e apressadamente, como fez Alexandre, foi sua resolução ao modo de não resolvê-lo?

Digamos que a ancestral investigação filosófica acerca do ser pode ser comparada à empreitada que o nó mitológico coloca a quem tenta desvendá-lo, porquanto o ser só se apresenta, em sua totalidade, através de um engano temporário, quando momentaneamente colocamos uma confortável mentira em seu lugar. A grande intuição de Aristóteles foi entender o ser enquanto uma pluralidade de sentidos, e nas suas palavras, “o ser se diz em muitos sentidos”. Porém, o grande passo do filósofo não foi capaz de legar a chave mestra do ser à posteridade, visto que as mentes filosóficas seguiram nessa investigação.

Talvez Aristóteles tenha subestimado o ser por supô-lo em muitos sentidos e não em todos eles. Muitos sentidos podem ser encontrados, entretanto, não todos. Pode-se segurar muitos grãos de areia nas mãos, mas não todos eles! A psicanálise afirma que o real é aquilo que sempre nos escapa, e com o pouco que conseguimos pegar dele constituímos nossas realidades. Da mesma forma o ser, todo ele, sempre nos escapa, e nos damos por satisfeitos com o punhado dele que resta em nossas mãos. Entretanto, importante é saber que o ser é maior, na medida do inapreensível.

Quando me pergunto o que é este computador aonde escrevo, por exemplo, ou seja, qual é o seu ser, dizendo que ele é uma ferramenta que permite ao homem fazer muitas coisas, poderia, à maneira de Alexandre, dar por resolvida a questão. No entanto, qualquer segundo pensamento acerca do ser (deste computador) revela outros sentidos, outros modos dele ser; e tantos serão os sentidos do seu ser quantos forem os pensamentos sobre ele; ou seja, a questão permanece tão aberta quanto irresoluta. Optando por não cortar o nó em que o ser se prende, e atacando todos os seus sentidos, conseguiríamos desatá-lo?

Imaginemos que o ser desse computador contempla todas as suas funcionalidades; todos os produtos da sua interação comigo; a histórica modificação da Natureza para que eletricidade fosse inventada e gerada para que ele funcionasse; um sem número de pessoas envolvidas na sua criação e produção, bem como os deslocamentos dessas pessoas, a produção e consumo de alimentos, roupas, lazer, saúde, etc., de que precisaram para, finalmente, um sistema extremamente complexo contribuir parcialmente com o ser deste computador. Em outros sentidos temos a matéria de que ele é feito, do ordinário plástico ao fundamental silício, ambos extraídos da natureza, mas que primeiramente tiveram de ser naturalmente confeccionados nela, e por ela, ao longo de bilhões de anos.

O ser deste computador não dispensa estas últimas letras que agora digito nem o primordial Big Bang, sem o qual nada teria ser; bem como tudo o que está compreendido entre estes dois instantes singulares. O ser de qualquer mínima coisa é, portanto, gigante, do tamanho do universo, e contém uma infinidade de sentidos impossíveis de serem retomados. E esta é, provavelmente, sua dificuldade górdia, pois somente através de um resumo absolutamente genocida é que podemos dar por acabada a questão do ser, ou seja, somente errando na resposta é que conseguimos, de fato, afirmá-la. Do contrário, a questão projeta-se geometricamente ao infinito.

Se o ser de cada coisa se diz através de todos os seus sentidos, tanto nos naturais, desenrolados nos dezessete bilhões de anos do universo, quanto nos artificiais, desenvolvidos nos últimos setenta mil de ação humana, bem como nos incessantes sentidos de que esse ser se predica em cada uma de suas contemporaneidades, podemos deduzir, portanto, que os sentidos que um ser compartilha com os demais são enormemente mais numerosos – e mais condicionantes – que aqueles que os diferenciam. Logo, há muito mais coisas em comum entre este computador, as ideias que me ocorrem, ou qualquer coisa que possa ser dita, que diferenças. Entretanto, é através de suas diferenças que os seres se apresentam a nós, pois como Alexandre, descemos a espada na dificuldade górdia até restar um pedaço que caiba em nossas mãos, e é sobre este que reinamos.

Aproximar-se do ser para investigá-lo é saber menos dele na exata proporção em que mais e mais dos seus sentidos escapam do nosso campo de visão. Por conseguinte, é afastando-se dele que podemos apreendê-lo no grande quadro que contempla todos os seus sentidos. Para isso, precisaríamos tomar uma distância absurda a fim abarcarmos de uma só vez o universo inteiro, pois só nessa visão total o ser poderia se revelar plenamente. Entretanto, a partir desse ponto de vista, veríamos apenas um único ser, o do universo, que é, de fato, o sentido único; todos os demais consequentemente desapareceriam. Logo, é somente cortando ignobilmente esse nó górdio do ser absoluto que criamos seres parciais, menores, à medida do homem, do tamanho da capacidade de Alexandre, o Grande, de desfazer nós impossíveis.

 

Zoom humano

O homem é bicho curioso por natureza, e sua curiosidade excede o dado a ponto deste ser nunca ser suficiente. Parte daí a nossa inventividade característica através da qual dividimos aquilo que já é sabido em tantas partes quantas forem necessárias para não a reconhecermos mais. É sempre neste nível sistematicamente renovado de ignorância que reencontramos nossa essência desbravadora, porquanto a capacidade humana de conhecer é alimentada tão somente por aquilo que lhe é desconhecido – pelo que mais seria?

Outra forma eficiente e prazerosa que inventamos para se evitar o beco sem retorno que é a verdade foi a ficção. É na mentira institucionalizada das estórias que contamos a nós mesmos, e com as quais nos entretemos ao longo do tempo, que sofisticadamente ampliamos “ad infinitum” o inquietante espaço de incerteza que sempre nos moveu adiante. Em sabendo de tudo, o homem deixa de ser o bicho que é e se assemelha à onisciência que ele mesmo colocou sábia e inalcançavelmente acima das nuvens, isto é, à Deus.

Os antigos gregos, conquanto confortavelmente instalados na primorosa civilização que inventaram, acostumaram-se à eficiência de suas próprias ficções e as tomaram como verdades absolutas. Por conseguinte, o bicho curioso dentro deles inquietou-se e os jogou novamente verdade adentro até que tomassem uma distancia motivadora em relação a ela. Entediados com o conhecimento da Natureza que tinham, mergulharam em suas profundezas e dividiram-na até o limite máximo do desconhecido e só se deram por satisfeitos na abstração material máxima do átomo, isto é, o não mais divisível. Encontraram um limite intransponível para o seu saber acerca da Natureza.

Posteriormente, os helenos enfadados com a posse e com o manuseio dos objetos do mundo físico ao seu redor, emergiram nas relações desconhecidas destes com o cosmos. Nasce, então, a metafísica que, segundo Aristóteles, trata de questões “que vêm depois da física”. Sem deixarem as suas polis, os gregos descobriram, “in loco”, muito mais que um novo continente a ser desbravado, mas sim um universo inteiro de não-saber aberto às suas vorazes mentes humana-filosóficas: o que o átomo tem a ver com o corpo que ele forma?, e o que não tem?, porque?, como?, desde quando?, até quando?, “ad aeternum”.

Ao se perguntarem metodicamente o que “é” a relação de cada coisa com as outras, e a dela com o todo – e vice-versa -, na medida em que iam encontrando tais respostas, eles perceberam que nas suas próprias perguntas havia algo sempre presente diante da qual eles se encontravam novamente ignorantes. No simples “o que é?” havia a questão do que porventura seria esse “é”. Surge, portanto, a questão mais cara à filosofia, a saber, a do “ser” que, manteve entretidas todas as mentes filosóficas desde então. Isso sem falar na ficção atômica grega que nunca mais deixou de nos mover na direção daquilo ainda não sabemos.

Uma boa analogia pode ser feita entre a curiosidade humana e os atuais “displays touch screen” através dos quais sabemos do mundo. Afinal, assim como o escorregadio afastar dos dedos polegar e indicador sobre a tela digital amplia a imagem dada na direção dos seus detalhes escondidos – e até então desconhecidos -, o homem não se priva de aplicar o seu “zoom” curioso sobre todos os objetos do seu conhecimento no sentido do desconhecido. Porém, diferentes dos nossos “smartphones” que, em determinado momento, limitam a ampliação do é mostrado, a interatividade da intele(tela)ctualidade humana é infinita, porquanto enquanto houver homem deverá necessariamente haver o desconhecido.

Nos momentos em que o homem ignora a essencialidade da sua própria ignorância ele se aproxima não do Deus sobre-humano onisciente colocado ficcionalmente no éter celeste, mas sim das fronteiras da desumanidade. Vide as absurdas certezas nazistas acerca do melhor destino para a humanidade. O bicho homem, para ser fiel à sua própria natureza, precisa, portanto, retornar constantemente àquela ignorância animal que nunca deixou de ser o seu mais virtuoso motor.

Sobre cada verdade insistente que estaciona em nossos caminhos é melhor aplicar-lhe um “zoom” até que ela deixe de ser – até que o dado não nos seja mais dado. Só assim reencontramos a liberdade do universo infinito em cujos desconhecidos limites nos sentimos em casa. O nosso fundamental não-saber animal inventou nada além de curiosidade e ficção, e as verdades, por conseguinte, são apenas ficções diferenciadas que funcionam temporariamente como refúgios auto-obsolescentes às margens da senda humana no cosmos desconhecido.

A gravidade da filosofia

As coisas mais simples e corriqueiras tornam-se graves quanto tomadas pela filosofia. Não que ela busque dramatizar seus objetos, mas porque o ato de conhecê-los evidencia justamente a gravidade intrínseca ao próprio sujeito. O próprio “ser”, isso que há mais comum a tudo que é, permanece, não obstante, como a questão mais antiga e cara à filosofia. E em tal empreitada, disse Gaston Bachelard, “é preciso ser sério como uma criança sonhadora”.

O filósofo é aquele que deve se permitir ao espanto e/ou maravilhamento com tudo aquilo cuja cotidianidade torna invisível. Nessa abertura existencial, a filósofa Simone Weil confessou: “tudo o que é precioso em mim vem de outra parte que não de mim, como empréstimo que deve ser continuamente renovado” e, por conseguinte, investigado e conhecido em profundidade. Só então se pode saber de que se trata esse “precioso” extrínseco que se é – que somos todos.

Entretanto, perguntar-se o que se “é” envolve tantas coisas, e por que não dizer tudo, que, se respondemos a essa pergunta com um nome – o nosso nome -, fugimos da maneira mais leviana da grave questão. “O ser humano é um ente dividido e que se divide novamente sempre que se entrega por um instante a uma ilusão de unidade”, afirmou Bachelard, porquanto no momento em que nos tomamos por indivíduos independentes, só fugimos da interconexão fundamental que nos institui.

Por isso o filosofar: para encarnarmos a gravidade com a qual atraímos os diversos predicados com os quais sufocamos o ser das coisas e, inclusive, o nosso. Portanto, “só podemos compreender as coisas”, disse Paul Valéry, “graças à rapidez da nossa passagem pelas palavras”. E a filosofia é a letra àquele que deseja conhecer as coisas por elas mesmas; e estas, sem ele nelas. O filósofo é esse “sonhador que escuta já os sons da palavra”, colocou Bachelard, pois “o bico da pena [hoje, o teclado] é um órgão do [seu] cérebro”.

“Estou sozinho, portanto penso no ser que curou minha solidão”. Nessa frase, Bachelard encontra-se genuinamente na filosofia, (des)encarnando a um só tempo a “insustentável leveza do [seu] ser”, o sustentável peso do seu nada e a gravidade estruturante entre um e o outro. E, por acaso, “o metafísico”, pergunta Bachelard, “não é o alquimista das ideias grandes demais para serem realizadas?”