Ocupemos a nós mesmos!

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As muitas ocupações de escolas e universidades brasileiras seguem firmes e fortes contra a péssima representatividade política que o povo está recebendo. Porém, isso é só parte da luta. A jovem máxima “Ocupa Tudo”, para ser verdadeiramente revolucionária, não deve deixar de fora desse “tudo” a exploração econômica que sistemática e sorrateiramente constitui aquela má representatividade. Ocupemos a nós mesmos! E economicamente.

As ocupações restauram intempestivamente algo da antiga democracia direta grega, na qual é o “demos” que atua a sua “cracia”, sem intermediários. Prática que no entanto foi soterrada pela erva-daninha da democracia representativa, posta em prática pela burguesia e para a burguesia. E é contra esses beneficiários burgueses, os únicos que são devidamente representados por aqueles que na verdade deveriam representar o povo, que as ocupações devem também contemplar. Ora, pouco adianta resistir abertamente aos desígnios dos maus políticos aqui, se, ali, alienadamente, segue-se enchendo os bolsos dos burgueses, os grandes e verdadeiros responsáveis pela má representatividade política.

Se, como dizem, a política apenas faz o trabalho sujo da economia, a ocupação deve ser também e principalmente econômica-estrutural, e não somente política-espacial. Do contrário, a luta que deixa de ser lutada é justamente aquela na qual o inimigo mais oprime. Políticos, como sabemos, vão e vêm. O poder do capital, em contrapartida, permanece e cresce nos bastidores do teatro de horrores político que ele mesmo patrocina, tanto para o povo se alienar do verdadeiro inimigo, como principalmente para que este algoz siga aumentando o seu sórdido poder discretamente.

“Ocupar Tudo”, portanto, é o povo ocupar também o lugar econômico mui ocupado por esse inimigo burguês que, antes, durante e depois de quaisquer manifestações políticas, segue enriquecendo com o mundo de mercadorias que nos oferece em todos os lugares e ocasiões. Mundo  mercadológico que seguimos consumindo ingenuamente, como se isso não fosse precisamente o cerne do problema. Como, porém, ocupar a nós mesmos economicamente? As ocupações políticas podem dar o caminho das pedras.

“Encher um espaço de lugar e de tempo” é uma bela definição de “ocupar”. Todavia, assaz abstrata para o que está se querendo propor aqui. Outra definição, bem mais concreta e pontualmente eficiente no sentido de ocupar-nos economicamente uns aos outros, diz que “ocupar” é: “dar trabalho; empregar”. Voilà! Eis a ocupação com a qual também devemos nos ocupar para enfrentar o inimigo, não em sua aparência política, mas em sua essência econômica. Como, entretanto, ocuparmos economicamente os nossos iguais para com isso enfraquecermos, quiçá falirmos o inimigo burguês que até aqui nos ocupa para o seu próprio fortalecimento?

O primeiro passo, o mais acessível, é a já conhecida “economia colaborativa”, ou seja, a esfera de produção, distribuição e consumo de bens e serviços que dispensa as grandes corporações e prioriza aquilo que os próprios indivíduos têm a oferecer uns aos outros. Pragmaticamente, é preferir a quentinha que a vizinha tem para vender ao BigMac; a costureira da esquina à loja Zara; e por aí vai. Se é para dar os nossos míseros e explorados tostões a alguém, que seja a nós mesmos, e não àqueles que nos exploram, ora bolas!

Este primeiro passo, que  nos leva a comprar coisas uns dos outros, não obstante mantém vivo algo essencial ao inimigo: o dinheiro. Um segundo e mais virtuoso passo, que com certeza pode completar a ocupação, por parte do povo, do belvedere da elite econômica é o escambo, ou seja, a troca direta de bens e serviços entre os próprios indivíduos, sem o intermédio vicioso do dinheiro. Em outras palavras, e usando os exemplos anteriores, trata-se de a vizinha trocar as suas quentinhas pela calça produzida pela costureira da esquina, e assim por diante.

Isso é ocupar economicamente os nossos iguais: dar trabalho a eles, empregá-los. Não para explorá-los, obviamente, uma vez que o escambo aqui proposto visa justamente eliminar os exploradores burgueses das relações econômicas – com a “mais-valia” de golpear os maus políticos que os representam. Sem dizer que, propondo-nos à troca com nossos iguais, cada um de nós tem também de ocupar-se em produzir algo que seja útil a esses iguais, e tão somente a estes. Restaurar o escambo é quiçá a maior rasteira econômica que os indivíduos podem no verdadeiro inimigo, e, de quebra, obsoletar a íntima & vil relação entre o capital e os seus representantes políticos.

O desafio, obviamente, é imenso. Afinal, como trocar quentinhas ou alfaiatarias por aluguel na imobiliária? Como bens ou serviços produzidos diretamente pelas nossas próprias mãos pagarão a passagem do ônibus? Para destrinchar o inimigo econômico-burguês, façamos como Jack, o estripador, façamo-lo por partes. Comecemos por estabelecer algumas relações de escambo com aqueles que nos são próximos e dispostos a tal. Hoje em dia há muitos aplicativos que podem ajudar nessa experiência. Não devemos esquecer de que também é da natureza humana se comprazer com trocar. Durante milênios foi assim. Pelo menos até o capitalismo convencer a todos de que o seu capital deveria intermediar todas as trocas.

Se cada um de nós conseguir fazer com que pelo menos 10% de nossas compras sejam substituídas por escambo, o inimigo-mor será enfraquecido nessa mesma proporção. E, quanto mais não seja, é muito mais fácil aumentar qualquer experiência, de 10 para 20%, e assim sucessivamente, do que pretender começá-la já nos seus 100%. Por partes e com calma; e também com prazer, repete Jack.

Certamente demorará para que a Apple aceite uma torta de maçã ou uma poesia em troca de um iPhone. Contudo, com o tempo, ocupando-nos a nós mesmos em função de nossa sobrevivência e liberdade, e sobretudo desocupando subversivamente os nossos algozes econômicos-políticos da intermediação de tudo o que precisamos para viver, poderemos descobrir que os smartphones deles só valem mais do que as nossas tortas de maçã ou poemas porque assim eles nos fizeram acreditar. Essa ideia aliás é a mercadoria excelente deles; se a desocuparmos, definitiva e coletivamente, todas as outras perdem o valor.

O socialistas ortodoxos de plantão dirão que é ingenuidade acreditar que o caminho da revolução é tão simples. Mais ainda, que não podemos dispensar a velha, todavia respeitável profecia marxista. Nada contra as Bíblias dos revolucionários, muito pelo contrário. Que elas sigam angariando fiéis até completarem a sua mui aguardada revolução. Afinal, a liberdade que elas prometem é mais que necessária. Porém, a candente novidade e promissora efetividade das ocupações nos sugerem, não um atalho, mas um desvio em relação às velhas teorias.

O “Ocupa Tudo” deve: ocupar os espaços onde a representatividade política não se efetua; tomar nas mãos a representação das próprias demandas; perceber que enquanto a economia estiver alienada dos indivíduos ela só produzirá má representatividade política; experimentar-se e fortalecer-se em relações econômicas não alienadas, baseadas em trocas diretas, nas quais o valor não é mais um imperativo extrínseco, mas propriedade daqueles que trocam entre si; e, por fim, fazer essa experiência – que não é nova, apenas obsoletada estrategicamente pelo capitalismo – crescer até ocupar totalmente a vida das pessoas.

Muito embora seja fundamental começar ocupando os espaços que os nossos representantes políticos não estão ocupando conforme prometeram ao se elegerem par tal, é só quando os indivíduos ocuparem a si mesmos, não só política, mas sobretudo economicamente, sem deixar espaço livre para qualquer mediação oportunista. Só então a revolução, senão estará dada, ao menos terá sido devidamente iniciada.

Portanto, ocupemos a nós mesmos. Descubramos o que podemos fazer que sirva somente a nós, e de forma alguma ao sistema que só quer nos explorar e oprimir. Reocupemos o sentido grego, e há muito esquecido, de “oikonomia”: “administração de uma casa, lar”. Desocupemos a macroeconomia! Só assim a má representatividade política será desocupada da sua vil participação nas nossa vidas.

Atenção, ocupações!

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Só mesmo muita alienação para não ver nas ocupações de escolas e universidades brasileiras, contrárias às propostas do Governo Temer, um movimento político de resistência, quiçá o maior da atualidade. Entretanto, mesmo e principalmente quem atua diretamente nesse explosivo movimento estudantil não deve se alienar do mais importante, ou seja, de que agir politicamente exige sempre mais. Do contrário, em pouco tempo as ocupações se tornarão eventos performáticos incapazes de alcançar o objetivo principal: barrar as propostas do governo golpista.

Obviamente, ninguém em sua sã consciência cívica é contra estudantes permanecerem nas suas escolas para, além das horas-aula, produzirem voluntariamente melhoria das instalações físicas e estreitamento das relações sociais. Aliás, uma crítica aos estudantes que hoje são ocupantes é não fazerem isso desde sempre. Esperar que alguma tragédia nacional se abata para só então agirem como se as escolas lhes pertencesse é agravante do problema que os próprios estudantes querem resolver. Todavia, antes tarde do que nunca.

As ocupações estarão realizando um novo e importante movimento se forem sobretudo políticas, muito antes de serem meramente físicas e simbólicas – ainda que estas duas formas sejam essenciais à primeira. Estudantes pintando paredes imundas e varrendo sujeira do pátio por certo calam a boca da opinião pública que a priori gostaria de estigmatizá-los de vândalos e vagabundos. No entanto, não se está ocupando mais de mil escolas e quase duzentas universidades com esse objetivo, mas para se ter força política capaz de barrar propostas golpistas tais como o “Escola sem Partido”, a “Reforma do ensino médio” e a PEC 55 (ex-241).

Uma das definições da palavra “ocupar” que eu gosto muito, embora bastante abstrata, é a seguinte: “encher um espaço de lugar e tempo”. Ocupar politicamente, portanto, é encher um espaço vazio de “lugar de cidadania” e de um “tempo de evolução social”. Caso contrário, este espaço será ocupado por outros interesses, e o lugar resultante pode ser tão opressor, e o tempo de tanta involução social quanto indica a distopia que já se deixa avistar através da névoa corrupta que envolve a “Ponte para o Futuro” golpista. Só mesmo agindo politicamente o “Brasil, pátria educadora” golpeado terá nova chance de futuro. Só a política constrói lugares e tempos melhores.

Como, entretanto, os estudantes ocupantes podem ser efetivamente políticos apesar do romantismo performático que já glamoriza as ocupações, e que por isso as enfraquece politicamente? Ora, por mais radical que possa parecer, é só parando a “linha de produção” das escolas; parando as aulas; as aprovações; o ENEM; as formaturas de novos profissionais; da mesma forma que a classe operária para a sua produção e compromete economicamente a classe dominante que os oprime e explora até que esta se abra à negociação. Desafio, contudo, é fazer com que a falta da “mercadoria intelectual” que sai das escolas e universidades, de somenos importância para o nosso governo golpista, ameace tanto quanto uma greve de ônibus ou da polícia.

Para tanto, os espaços a serem ocupados devem transcender os “bunkers” das escolas. A famigerada estudante paranaense Ana Júlia, de 16 anos, por exemplo, fez isso. Ocupou os espaços da Assembleia Legislativa do Paraná e da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal transformando-os em lugares de fala dos estudantes e em tempos de escutá-los. Fossem todos os ocupantes Anas Júlias, a ocupação seria do tamanho do Brasil, e PEC alguma contrária ao futuro dos estudantes teria vez.

Uma lição fundamental a ser aprendida ainda na escola é que a ação política não tem fim; não chega a um patamar estável de onde não precise evoluir. Quando se institui um corpo político, a sua potência e alcance têm de ser constantemente aumentados na medida em que as forças que lhe fazem oposição também crescem. Em outras palavras, nossos adversários políticos se fortalecem em resposta à adversidade que recebem de nós, e por isso devemos aumentar a nossa potência política, tanto ou mais que a deles. Portanto, ocupar, sim! Mas esse é só um passo de uma luta que na verdade é uma caminhada sem ponto de chegada preestabelecido.

Lembremo-nos, toda a virtude política que explodiu em 2013 foi rápida e sorrateiramente deslegitimada pelo conservadorismo que contra-atacou em 2015 e 2016 tão munido quanto imbatível. Que as atuais ocupações aproveitem a explosão que performam, mas que não pensem que isso é tudo. O mundo não mudará apenas porque alguma tentativa para tal chamou atenção da opinião pública, mas sim porque essa tentativa é levada adiante, sem trégua. O degrau físico/espacial já foi alcançado. O simbólico/performático também. Mais importante, porém, é encarar o resto da escada, que é arduamente política, e em cujos patamares superiores está a possibilidade de realização dos objetivos postos pelo presente.

Ocupai!

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Ocupar é fazer política? “Claro que sim!”, diriam aqueles atenienses da antiguidade que ocupavam constantemente o espaço público, com seus corpos e ideias, em defesa de seus interesses. Democracia direta é como chamamos o que eles faziam. Mesmo que a erva daninha da representatividade política, ou o que é o mesmo, a democracia indireta tenha pervertido o antigo fazer político desde que o mundo é da burguesia, em nenhum lugar está escrito que política não possa nem deva ser feita novamente com corpos presentes e potentes representando diretamente os seus desejos e necessidades. As ocupações reencarnam intempestivamente a antiga virtude de combinar corpo e mente na ação política, refundando assim uma civilidade mais autêntica.

Entretanto, a elite política & econômica, que muito se beneficia com a ausência física dos seus representados, treme de medo ao ver cerca de 1200 escolas e universidades ocupadas por milhares de ideias e corpos tão frescos quanto promissores. Felizmente, apesar da burrice de boa parte da opinião pública e da violência policial, as ocupações estudantis crescem, aparecem e se legitimam como força política eficiente. Como não lembrar da vitória dos estudantes de São Paulo sobre o peessedebista Alckmin em 2105? Muito embora a guerra em torno da educação no Brasil não tenha vencedores ainda – se é que terá -, uma coisa importante aquelas ocupações paulistas provaram: são capazes de vencer batalhas. E porventura não é delas que são feitas as guerras?

Para que as ocupações não percam o fio virtuoso da meada política que desenrolam, e para que possam cada vez mais contra o inimigo que tenta reprimi-las, seja com algemas, fuzis, tortura sonora, “Escola sem Partido”, “Reforma do Ensino Médio” e/ou “PEC do fim do mundo”, é bom que os ocupantes compreendam política enquanto afetividade. Não sentimentalismos, estados de espíritos, como pode parecer a alguns, mas sim uma rede de relações, originadas nos corpos, que são afetados desta ou daquela maneira, e que, por suas vezes, afetam outros corpos, de outras tantas maneiras, a fim de alcançar determinados objetivos. Tanto o corpo individual de cada estudante, como o corpo coeso e determinado de centenas ou milhares deles, por exemplo, são corpos políticos autênticos; unidades capazes de serem afetadas e, sobretudo, afetar.

Nesse momento a física tem uma excelente e intuitiva lição às ocupações, qual seja: “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo”. Seguindo essa a “Lei da Impenetrabilidade”, enquanto corpos coesos e organizados os estudante ocupam os espaços de suas escolas não só porque o corpo do Estado não os ocupava devidamente, mas também para que esse Estado ausente volte a ser corpo único com os próprios estudantes e faça a sua parte de oferecer educação e futuro com qualidade para todos os estudantes. E isso começa por ser democrático em respeito aos projetos que tem para a educação e para o futuro.

A física também nos diz que se um corpo G (de golpista) quiser ocupar o lugar de um corpo A (de alunos), terá de aplicar-lhe uma força que vença a determinação própria de A de permanecer no lugar em que está, ou seja, a sua inércia. A violência com que o Estado golpista tenta se (re)colocar nos espaços das escolas ocupadas é essa força. E ela está sendo violenta, desumana, sem dizer inconstitucional. E isso porque para o Estado o corpo estudantil é matéria bruta e inerte, com sorte massa de manobra, e não como um corpo afetivo, pleno de desejos, aspirações, projetos e dignidade própria. Tratando as ocupações como se invasões fossem, e os estudantes como vândalos e vagabundos, o Estado pretende abafar duas verdades insuportáveis: a sua vergonhosa ausência nas escolas, e o fato de seus projetos para a educação não falarem a língua dos maiores interessados, quais sejam, os próprios estudantes.

A crise de representatividade política que veio à luz nas manifestações de junho de 2013 está encarnada nos estudantes ocupantes como em nenhum outro corpo político no Brasil. Tomara que eles representem melhor a crise de representatividade do que as flores da “Primavera Brasileira”. Desde lá, não só seguimos sendo afetados negativamente pela má representatividade, como a qualidade desse “serviço” piorou tragicamente. Raros somos os que agem contra esse afeto. Os jovens ocupantes são desse jaez. Quem ocupa age na medida em que acredita mais em si e nos que estão ao seu lado do que em qualquer outro corpo político para representar os seus interesses. Tampouco aceita que o seu corpo seja movimentado politicamente apenas nos eventos bienais das urnas.

Assim como aqueles gregos ingênuos de antigamente, que acreditaram que só com seus corpos e ideias presentes representariam bem seus interesses e resolveriam civilizadamente as suas mais importantes questões – e que por conta disso ostentam o título de “Berço da Civilização Ocidental”! – assim também os estudantes brasileiros ocupam as suas escolas com seus corpos e ideias e com isso constroem um presente tão digno de futuro quanto eles mesmos. O fato de as ocupações brasileiras serem incompreensíveis e/ou inaceitáveis das perspectivas da elite reacionária e da população ignorante não depõe contra o movimento. Muito pelo contrário, apenas prova que as ocupações são fortes o suficiente para ameaçarem, e oxalá derrubarem o velho status quo. Por isso, fazendo referência à ocupação talvez a mais célebre de todas, a de Wall Street em 2011, ocupai!

Que fim do mundo para o Brasil?

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Algo chama atenção nos apelidos da PEC 55 (ex-241) e da delação premiada de Marcelo Odebrecht na Operação Lava Jato. A “PEC-do-fim-do-mundo” e a “Delação-do-fim-do-mundo” compartilham, de modo trágico e viral, a ideia apocalíptica. Que “zeitgeist” tupiniquim é esse que aproxima os brasileiros da escatologia? Qual desses dois fins do mundo entretanto o povo deve evitar, e qual investir? E como?

Não há dúvida de que o congelamento dos gastos com saúde e educação no Brasil pelos próximos vinte anos, como tenta a polêmica PEC, é o fim do mundo aventurado no Brasil durante a era petista. Outrossim a publicização de crimes cometidos por grandes e protegidas figuras políticas, dentre elas ninguém menos que o presidente golpista da república, promete ser o fim do mundo, não só da impunidade no corrompidíssimo sistema político brasileiro, como o do próprio e presente golpe de estado.

O primeiro “fim do mundo”, o da PEC 55, afetará muito, e negativamente o povo brasileiro. Já o segundo, ao contrário, é a negativação –ainda que inicial, parcial – do que há de pior no Brasil. Da perspectiva do povo – que deve ser a “de Deus”, afinal, se a voz do povo é a voz dEle… -, o “fim-do-mundo-odebrechteano” portanto é desejável.

Por isso o povo deve investir nesse fim do mundo e exigir do Rei da República de Curitiba, o “juizeco” Sérgio Moro que investigue, julgue e puna seus delatados como o apelido apocalíptico da delação que os traz à luz promete. Como, porém, exigir isso de juiz tão empoderado quanto comprometido com os seus investigados, ainda mais na “judiciocracia” em que se transformou o Brasil?

Ao mesmo tempo o povo deve resistir contra a PEC-do-fim-do-mundo. A ocupação de mais de 1100 escolas e 70 universidades brasileiras contra os cortes em investimentos sociais, se não é a única solução, ao menos está colocada como a mais forte e promissora no momento. Basta, por conseguinte, que sejam fortalecidas e engrossadas para que haja possibilidade de o povo não ser oprimido como planejam seus algozes golpistas.

Minha aposta para ambos os desafios é no formato da ocupação como estratégia política. A exemplo do que está acontecendo dentro das escolas ocupadas, e que ganha cada vez mais força fora delas contra a PEC escatológica, ocupar os palácios do Poder Judiciário do país seja quiçá a única forma de o povo fazer uma pressão impossível de ser ignorada pelo “judiciocrata” Moro, para que a tal delação apocalíptica seja levada a cabo.

E isso porque ocupação é política feita com corpos. E se, como diz a física, dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, o corpo presente e resistente do povo nos lugares onde golpistas, corruptos e juízes vendidos atuam contra esse mesmo corpo popular é a melhor estratégia “que temos para hoje”. Se isso será o fim do mundo, oxalá o seja conforme imaginou Dostoiévski: “no fim do mundo … há de acontecer algo de sublime que satisfará todos os corações.”

Talvez o melhor apocalipse de todos seja mesmo o fim do mundo no qual o povo é corpo político ausente e miseravelmente presentificado pelos desgovernos dos seus representantes. E quem irá negar que a crise de representatividade política aberta espetacularmente em junho de 2013 é o que mais legitima e torna necessárias as atuais ocupações no Brasil? Afinal, onde ocupa o povo, não ocupa quem não o representa.

Democracia e ocupação

Cidadãos, nas democracias modernas, são indivíduos cujos interesses são representados não por eles mesmos, mas por representantes democraticamente eleitos que, não é difícil observar, sem cerimônia preterem os interesses dos seus representados em função dos seus próprios. Não é exatamente isso que experimentam os cidadãos paulistas que elegeram Alckmin e o PSDB, para também terem uma educação de qualidade para seus filhos, mas que, no andar da carroça representativa, estão prestes a receber a “reorganização escolar” que, na verdade, é o pretexto para o fechamento de quase cem escolas?
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Com efeito, a representatividade política da atual democracia torna os cidadãos demasiados impotentes sempre que seus interesses não são levados a cabo pelos seus representantes. Resta reclamar inocuamente até a próxima eleição, na esperança de que os próximos representantes façam o que os atuais não estão fazendo. Em relação à contraditória reorganização das escolas paulistas, os cidadãos (pais e mães dos estudantes) gostando ou não da reforma tentada por Alckmin, pouco podem contra ela, a não ser sofrê-la até que um dia, representados por outro político ou partido, possam ter o que desejam para si e para seus filhos.
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Entretanto, ligeiramente externos a esse esquema democrático-representativo estão justamente os jovens estudantes que, por não serem eleitores, não são propriamente cidadãos, e por isso não precisam se submeter a esse sórdido esquema representativo, pelo menos não como seus pais-e-mães-cidadãos-oficiais. Uma vez que não elegeram representantes alguns, os estudantes não têm por que esperar deles que representem os seus interesses.
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Então, sem se valerem da tal representatividade democrática com a qual estamos habituados, e através da qual somos facilmente preteridos, os alunos-pré-cidadãos ocuparam duzentas escolas paulistas na representação direta de seus interesses. A cidadania não-plena deles talvez os tenha mantido virtuosamente alienados da crença cega nessa fábula chamada representatividade política que mais pretere que prefere os cidadãos propriamente ditos.
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Essa ação de ocupação dos estudantes paulistas, no sentido de seus interesses não serem postergados, remonta à democracia direta dos antigos gregos, na qual cada cidadão “ocupava” a representação dos seus próprios interesses diante dos demais cidadãos. Para os criadores da democracia, um cidadão colocar outro para representar seus interesses era um absurdo, uma burrice até. Então, todos os assuntos que dissessem respeito à vida dos cidadãos eram debatidos e deliberados diretamente por eles. Esse era o modo mais seguro de não serem mal representados.
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E, sob a pressão da ocupação das escolas paulistas, direta e presencialmente atuada pelos estudantes, Alckmin teve de ceder e suspender, ainda que temporariamente, a tal reorganização que os alunos não queriam. Agora, se estes mesmos alunos tivessem agido conforme seus pais e mães, isto é, acreditado desde o princípio que somente através dos seus representantes políticos poderiam barrar a reorganização escolar alckminiana, o projeto peessedebista teria seguido incólume. Porém, felizmente e subversivamente, os alunos mandaram um “beijinho-no-ombro” para a falácia da representatividade política e protagonizaram diretamente a defesa dos seus interesses.
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