Pecha sofística-filosófica

Os sofistas, mestres mambembes que viajavam o mundo antigo vendendo práticos saberes, discursos políticos e estratégias argumentativas, ganharam já de Sócrates e de Platão o famigerado estigma charlatanesco que dura até hoje. Tachada por estes filósofos como a arte da prestidigitação com as palavras, a sofística passou a ser mal vista porque entendia o conhecimento pelo seu viés pragmático e particular. Ora, essa postura afrontava os filósofos que buscavam sobretudo as verdades de validade universal. Porém, é absolutamente parcial, quiçá injusto, procurar pela pertinência da sofística apenas no seu produto final, isto é, nos seus efeitos, esquecendo-se das causas que a trouxeram à vida. Então, contornando o malicioso anacronismo filosófico que peitou os sofistas pela frente, vale acompanhar estes malogrados técnicos do discurso desde antes do encontro que tiveram com os amantes da sabedoria.

Voltemos, então, ao período compreendido entre o abandono da vida nômade e a instituição da polis grega, no qual o homem ainda carregava consigo, na agora civilizada, reminiscências de sua selvageria, tais como a escravidão e a subjugação das mulheres aos homens. Com efeito, para os virtuosos polités atenienses, os escravos, as mulheres, e obviamente os estrangeiros, não eram cidadãos, mas seres com os quais eles podiam – e inclusive deviam – lidar despoticamente. Entretanto, para permanecerem convencidos de suas pretensas civilidades, e, mais importante, alienarem-se da barbárie que ainda sustentavam em pleno seio político, aqueles déspotas precisavam se relacionar com a verdade de um modo que ela não se revelasse completamente. Ou, do contrário, eles seriam informados por ela, a contragosto, que eram ainda bárbaros, entretanto, envoltos em togas de fino linho e tagarelando na assembleia.

Se foi a capacidade de transpor em palavras aquilo que antes só se resolvia através da força física o carro chefe da polis grega, pois só se chega à civilização pensando e dialogando sobre a barbárie resistente, a arte de bem falar, em seu estado nascente, a outra coisa não atendia senão a bestialidade de homens que, sobretudo, desejavam garantir a posse de suas terras, de seus escravos, bem como de seus despotismos arraigados. Portanto, a retórica, de imediato, foi uma forma civilizada, aplicada, todavia, sobre a função bárbara que ainda errava pela cidade; embora, posteriormente, ela tenha se aliado à verdades mais nobres, virtuosas, inclusive científicas. Porém, antes disso tudo, a retórica teve de lidar com os objetos mais baixos de uma recente e instável civilidade em construção.

Tomemos a justiça, esse pilar da civilização, como exemplo: fazê-la com as próprias mãos – selvageria -, é uma coisa; outra bem diferente é cunhar para ela um conceito de validade universal – filosofia. Há um longo, porém nem sempre retraçado, caminho entre estes dois extremos. Um conceito universal de justiça, por mais belo e justo que pareça, é vazio, portanto desnecessário, se não for antecedido e preenchido por uma miríade de fatos particulares nos quais as muitas ideias de justiça se entrecruzem. Sob um posto de vista, todas as particularidade acerca da justiça são a substância priori do conceito universal, e a posteriori, de justiça. Tratando-se, então, de qualquer coisa, inclusive de justiça, podemos começar abordando ou suas particularidades, ou sua universalidade, porém, atentando para o fato de que esta só é possível a partir daquelas.

A busca pelos universais era a arte própria dos filósofos. Os sofistas, inversamente, não acreditavam em tal universalidade, pois, oriundos do estrangeiro e viajados pelo mundo antigo, percebiam claramente que não existia essa coisa chamada verdade universal; que aquilo que os homens acreditavam, cultuavam, e pelo que lutavam até a morte era apenas convenção; que a verdade para um povo era tão diversa da verdade para outro quanto estes povos eram diferentes entre si. Sequer uma ideia absoluta sobre os deuses havia. Portanto, não tendo encontrado objetos universais, os sofistas não tinham motivos para investigá-los nem se ocuparem deles. Antes, investiam naquilo de que nenhum homem conseguia se alhear, isto é, das suas experiências e necessidades particulares.

Cientes do pragmatismo de todos os saberes, os sofistas passaram a vender desde discursos políticos aos cidadãos que desejassem vencer na assembleia, até técnicas de argumentação aos que quisessem se sobressair nas discussões cotidianas. Entretanto, dos sofistas não pode ser dito que comercializavam mentiras conquanto não acreditavam que existisse verdades incondicionais, senão aquelas convencionadas para fins absolutamente práticos. Com efeito, a sofística foi uma pedra no meio do caminho filosófico aberto por Sócrates e Platão. O caráter utilitarista e particular das verdades sofísticas era incompatível com o universalismo contemplativo desejado pela filosofia grega. Porém, a verdade filosófica de certo modo já estava contemplada nas verdades sofísticas, pois, se esta diz que as verdades são criações humanas, para fins não menos humanos, a filosofia de Sócrates e Platão era somente mais uma delas.

Sócrates, dialogando com Hípias Maior, no diálogo platônico de mesmo nome, procurava pelo belo absoluto que, entretanto, nem ele conseguia encontrar. Recusava, por conseguinte, todos as coisas belas que seu interlocutor sofista lhe oferecia: uma mulher bela, uma panela bela, as belezas do ouro, da riqueza, da utilidade etc. Hípias, certo de que só existiam coisas belas, mas não o belo em si – afinal, assim como a verdade, o belo é apenas uma convenção arbitrária -, não teve como saciar a impossível fome filosófica de Sócrates, tendo sido tachado, por este, de charlatão. Outrossim, Platão, insistindo que as ideias de todas as coisas jazem em Deus, e não nas cabeças humanas, tampouco nas coisas do mundo, deu o golpe de misericórdia nos sofistas, impedindo-os definitivamente de falarem em nome da verdade mediante particularidades mundanas. Para o pai da filosofia, a verdade existia alhures, na ideal esfera celeste, e de forma alguma na realidade imediata vendida pelos sofistas.

Ora, Sócrates, procurando pelos universais, e Platão, pelos ideias, findavam sempre com as mãos vazias de algo concreto. O preço da filosofia platônica, portanto, foi a assunção colateral da mais pragmática verdade sofística: de fato, só há as verdades convencionadas pelos homens, nada mais. O resto era apenas elucubração de certos aristocratas ociosos, na manutenção de uma estratégica distância em relação à verdade, para assim se manterem alienados da barbárie que resistia sub-repticiamente nas suas civilidades até então despóticas. Para tanto, os sofistas deveriam ser banidos da República imaginada por Platão e dita por Sócrates, pois, assumindo-se que a verdade é uma convenção, ninguém seria obrigado a subjugar-se eternamente a ela. Ora, se fosse assumido que a verdade era de fato uma deliberação humana, a ancestral verdade acerca da aristocracia de certos homens cairia por terra. Aqui podemos ver a ameaça sofística à barbárie despótica disfarçada de cidadania democrática que regia a Magna Grécia na época do nascimento oficial da Filosofia.

O entrevero entre os diferentes conceitos de verdade para filosofia e para a sofística encontra-se nalgum lugar entre a barbárie e a civilização. A filosofia, desenvolvendo anacronicamente sua promenade, isto é, da civilização à barbárie, não pôde evitar de condenar a verdade pragmática, tácita e necessária a qualquer selvagem. A sofística, fazendo o caminho inverso, partindo da barbárie à ágora civilizada, trouxe consigo a verdade, não menos selvagem, que diz ser nenhuma verdade universal ou ideal. Entretanto, como a pecha entre filósofos e sofistas era também a de gregos aristocratas contra estrangeiros proletários – cujas mercadorias eram seus discursos -, o relativismo sofístico sucumbiu diante da intransigência universalista de Sócrates e do absolutismo idealista de Platão.

Desde então, os sofistas e a sua arte com as palavras são taxados de charlatanismo. Porém, ainda hoje, se eu tentar impor a qualquer contemporâneo meu um conceito universal, por exemplo, de amor, serei tão improdutivo quanto Sócrates. Meu interlocutor, por sua vez, reacenderá a velha chama sofística e me dirá, sem hesitar, que conceito universal algum é mais útil ou válido do que aquele, particular, que ele mesmo tem do amor.

Sofistaria Avant-garde

Embora historicamente estigmatizados, os sofistas foram homens que produziram a primeira grande revolução na nossa antiguidade social, iniciando o desvínculo entre as primitivas instituições humanas e o sagrado. Os sofistas foram, de certa forma, absolutamente modernos em pleno coração da antiguidade, iniciando uma globalização laica das práticas humanas, colocando-as “em rede” e as tornando acessíveis a qualquer terminal humano que pudesse pagar por elas. Podemos, inclusive, enxergá-los como os “Black Bloc” que enfrentaram o poder – sagrado –  estabelecido, botando-o abaixo. Até 300a.C. não havia diferença entre um sofista, isto é, um sábio, e um filósofo, a saber, um amante da sabedoria. Até o grande Sócrates era, muitas vezes, tomado por um sofista. Entretanto, foi Platão que inventou a diferença entre estes dois modos de relacionamento com o conhecimento, dizendo que aquilo que os sofistas faziam era diferente, e menor, do que aquilo que ele e seu mestre Sócrates faziam.

O estrangeirismo doravante ressaltado nos sofistas foi a rasteira clássica com que os gregos os desqualificaram irremediavelmente, visto que, para os antigos helenos, o maior e mais legítimo valor era o de ser um cidadão reconhecido. Entretanto, os sofistas se insistiram presentes. A arte destes sábios injustamente periferizados agiu sobre as primordiais instituições humanas, transformando-as, inclusive para que fosse possível o apogeu platônico da metafísica que os desqualificou retrospectivamente. Nos primórdios da humanidade, o conhecimento era individualizado e com validade estritamente familiar, a ponto de ser ao mesmo tempo sagrado e secreto. Embora estas duas palavras não tenham o mesmo significado, há um sentido comum entre elas, aqui significativo: “inviolável”. Os sofistas, portanto, foram esses forasteiros, ditos ímpios, que violaram esses saberes familiares sagrados e secretos, derramando-os no profano solo social.

De certa forma, a sociedade humana global não aconteceria caso os saberes seguissem particulares e secretos, escondidos na sacralidade dos desconexos núcleos familiares. Logo, os sofistas fizeram as primeiras relativizações epistemológicas ao descobrirem e confrontarem os desencontrados grãos de conhecimento espalhados pelos chãos do mundo. O estrangeirismo errante destes sábios ajudou muito nessa empresa, pois, viajando o mundo, encontravam verdades absolutas locais e nucleares, totalmente diversas e incompatíveis entre si; o que, no final, evidenciava a não existência de verdade universal alguma. Estes apátridas relativizadores trataram de contar – mercadologicamente, de fato – essa que poderia ser a única verdade universal, ou seja, a inexistência de verdades universais. Essa foi a grande afronta sofística ao secreto e sagrado conhecimento que estruturava e individualizava cada família, gen ou fratria antiga, porquanto solapava as sacralidades invioláveis, revelando suas funcionalidades terrenas.

De posse desse novo e universal saber, os sofistas foram os que, laicizando as práticas humanas, primeiramente deixaram de sustentar o populoso panteão divino antigo, legitimador sagrado daquela sociedade, o que foi eternizado na máxima de Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas” – sabedoria que só seria desenterrada no iluminismo, vinte séculos depois! Como assim, perguntaram-se os gregos, é o homem a medida? Até então, e indubitavelmente, eram os nossos deuses ancestrais! Platão, o filósofo que degradou os sofistas, via na sabedoria secular destes o impedimento à sua própria teoria do mundo das ideias eternas e verdadeiras, superior e independente dos homens. Portanto, esses sábios que lidavam com o saber de forma desapaixonada e laica, ao contrário dos envolvidos amantes filósofos, sofreram, a partir de Platão, um injusto ostracismo da história epistemológica. Na sequência, somente Aristóteles manteve-se com os pés cravados no mundo físico material, entretanto, depois dele, a caminhada humana foi em direção ao apogeu cristão que, vitoriosamente, alienou a medida universal do homem, coagulando-a num mundo deveras platônico, entrementes,  reinado por um Deus absoluto e onipotente.

Caso a força sofista tivesse sido positivamente reconhecida pelos antigos gregos, o absurdo mundo das ideias ideais platônico, e o seu fruto legítimo, o céu cristão habitado por um deus ideal, teria pervertido menos a terrena história da humanidade. Foi preciso uma Idade das Trevas inteira para que a insustentável negação da medida protagórica caísse por terra e o homem se assumisse, profanamente, como a medida de todas as coisas. A fantasia divina, apesar de ter sido o princípio estruturador da humanidade, foi um conjunto de saberes temporários que, todavia, não se sustentaram quando frente-a-frente na agora. Havia uma verdade mais baixa e simples, portanto mais universal, a de que a verdade absoluta era o próprio homem em sua ignorância em relação ao cosmos, verdade essa que os sofistas descobriram primeiro. A própria evolução histórica lineariza isso, dado que cada época, e suas verdades inerentes, não obstante desvanecem diante das outras, da mesma forma como a verdade sagrada de uma antiga família era negada e solapada pela de outra.

Os sofistas formam chamados de vis mercadores de sabedoria pelos cidadãos gregos que sobrevalorizavam o ócio em detrimento do trabalho. Porém, o calcanhar de Aquiles daquela sociedade grega era a estabelecida escravidão que sustentava o modo contemplativo e vagabundo da tradicional aristocracia política. Trabalhar era indigno para um cidadão-homem-rico-grego, era coisa de escravo. Por conseguinte, os sofistas, ao venderem profissionalmente suas ideias, foram rebaixados ao nível da inessencialidade. Entretanto, da modernidade até hoje, estes artífices do saber que conseguiram transformar em produtos vendáveis as suas visões de mundo não merecem mais tal estigma. Ao contrário, deveríamos prestar homenagem e gratidão a esses aventureiros que, séculos antes de Nietzsche, mataram os deuses e fizeram o primordial parto de uma humanidade prisioneira de um útero tomado, inadvertidamente, como o local sagrado, secreto e familiar das sabedorias essenciais.

Se os muitos deuses familiares, bem como os fálicos&machistas “pater família” primordiais, foram questionados nos fictícios dogmas que sustentavam – e com os quais mantinham cativos os seus -, sendo historicamente derrotados, devemos isso aos sofistas, pois foram eles que, primeiramente, viram o logro do divino-sagrado-secreto sobre o humano. Hoje, para o bem e para o mal, ou para além deles, somos resplandecentemente a medida sofística inquestionável de todas as coisas, pois  sabemos, cientificamente!, que as nossas venturas e revezes não são frutos de desígnio divino algum, mas sim das nossas próprias desmedidas. As verdades humanas são históricas, contingentes e efêmeras, e subsistem pontual e nuclearmente conquanto não sejam questionadas. Porém, uma vez relativizadas, essas verdades particulares padecem precisamente daquilo que deveria ser sua essência substancial, ou seja, de sua validade universal, revelando-se, sempre, ferramentas caídas nas mãos da atávica ignorância humana. Esta foi a desagradável verdade que os sofistas introduziram no fantasioso mundo dos homens, revolucionando humanamente os dogmáticos bancos dos saberes privados.

 

 

Arte Retórica Contemporânea

Antes de visitar a Bienal do MERCOSUL de Porto Alegre no final do ano passado, assisti na TV Educativa local uma matéria com os artistas da exposição falando sobre as suas obras. Apesar da minha incredulidade prévia em relação à arte contemporânea no que diz respeito à sua eficácia em atingir sublimemente todos os de fora desses “happy hours” curatoriais, os discursos dos artistas na TV a respeito dos seus próprios trabalhos me seduziram profunda e imediatamente. Quanta genialidade em suas ideias! Parti rumo a essa arte.

Entretanto, as mesmas “obras”, que nas palavras dos seus autores pareciam “primas”, falando por si mesmas em suas materialidades solitárias diziam muito menos – ou quase nada – do que quando na boca dos seus criadores. Foi inevitável perceber a decadência a que essa arte se expõe ao passar do mundo das ideias para o mundo material. Eu havia ficado muito mais satisfeito ouvindo sobre aquelas obras do que frente-a-frente com elas. Lembrei-me de Aristóteles, sobre os sofistas: “o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de fé”.

Realmente, os discursos daqueles criadores eram sim dignos de fé; no entanto, não as suas obras reais. Diante das “instalações”, e em busca do sublime que desejo na arte, convenci-me de que as verdadeiras obras primas eram as palavras dos artistas, muito mais que os amontoados de matéria – pouco expressivos – depositado nos pavilhões da Bienal. Mais ainda, a arte excelente daquelas pessoas, antes de ser a “visual”, era a da retórica; e esta, conforme afirmou Aristóteles na obra de mesmo nome, é “a capacidade de descobrir o que é adequado dizer a cada caso com o fim de persuadir”.

O filósofo grego dizia que em retórica “são três os aspectos a observar: volume, harmonia e ritmo. Aqueles que empregam estes três aspectos arrebatam todos os prêmios”. Bingo! O que outrora fazia parte física “das” obras de arte, hoje migrou para o discurso “acerca” delas, e em benefício exclusivo desses artistas. Entretanto, a arte na forma de discurso retórico padece da mesma limitação apontada por Aristóteles, visto que a retórica “não apresenta relações da parte para o todo, nem do todo para a parte, nem do todo com o todo, mas apenas da parte para a parte”; e nesse caso: do artista para o próprio artista.

“Porque todos são amantes de si mesmos, todos têm necessariamente por agradáveis as coisas que lhes pertencem, por exemplo, as suas obras e as suas palavras”, escreveu Aristóteles. No entanto, é somente através das palavras, ou seja, retoricamente, que o artista pode escapar da contingência da sua ideia realizada em obra, e ultrapassá-la em direção ao “agradável” absoluto; pois, como disseram os sofistas através das palavras do pensador heleno, “amamos os que elogiam as boas qualidades que possuímos, especialmente aquelas que temos receio de não possuir”.

Uma das táticas de sucesso da retórica é investir no rococó discursivo, como exemplificou Aristóteles: “não empregar ‘círculo’, mas ‘superfície equidistante do centro”; ou, contemporaneamente, “experiência de percurso aberto” para esconder do público o fato de que não há liame algum unindo as obras que ele vê. O que agrada aos ouvintes de um mestre retórico “é ouvir falar em termos gerais daquilo que eles tinham pensado entender antes em termos particulares”, colocou o autor grego. Entretanto, mesmo o discurso atingindo facilmente o universal, a obra de arte, diante do espectador, é absolutamente particular e dada; e é aí que o discurso cai por terra.

De volta à Bienal do MERCOSUL, as obras que lá estavam expostas infelizmente depunham contra a maravilha que eram enquanto nas palavras dos seus autores. Caso ficassem apenas no sublime discurso retórico dos seus criadores elas teriam muito mais poder, pois “as emoções são as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanças nos seus juízos”, disse Aristóteles; não a espera por emoções que o silêncio presencial daquelas obras de arte impunham, cada uma delas, ao longo da insípida promenade contemporânea.

O fato de os artistas visuais ainda terem de produzir instalações que representem suas ideias e, principalmente, eles próprios – afinal a celebridade é a obra prima do nosso tempo – parece ser um ranço ancestral provindo de épocas cujos artistas produziam obras de arte frutos de algo hoje esmaecido, a saber, a virtuosidade. Michelangelo não ganharia o mundo apenas falando da sua Pietà; porquanto “se uma coisa é feita sem arte e sem preparação, mais possível ainda o será com arte e com preparação”, colocou Aristóteles, para quem “as coisas que são conforme a verdade são preferíveis às que são conforme à opinião”.

Já a arte contemporânea, obra da superfluidez imaterial do mundo hiper informacional, seria melhor que se desvencilhasse de vez dessa rançosa materialidade redutora que insiste em acompanhá-la. “Todos os seres humanos sofrem ante o espetáculo de suas próprias fraquezas”, aponta-nos Aristóteles; por conseguinte, a fraqueza do artista contemporâneo parece estar nessa impossibilidade de materializar, à altura, suas sublimes ideias. A maior força deles, atualmente, parece estar na capacidade de fugir, através do discurso, da distância entre criatividade e virtuosidade presente – estruturante? – na arte contemporânea.