Tanto as manifestações de 2013 quanto as de 2015 contaram com seus próprios vândalos de plantão. As primeiras tinham os Black Bloc que, pilhando latas de lixo, paradas de ônibus e bancos Itaú, espantaram a opinião pública e forneceram à mídia reacionária o material com o qual ela desqualificou o macro movimento. Já as de 2015 também contam com seus vândalos imediatamente objetáveis, apelidados de “coxinhas”, apólogos da ditadura militar, da monarquia, e cujo vandalismo destrói não o banco Itaú, muito pelo contrário, mas própria democracia. Assim como os arruaceiros mascarados de há dois anos, os atuais desordeiros verde&amarelo expressaram a mais reprovável face do que poderia ser manifestado em prol de um Brasil melhor.
2013 e 2015, embora antagônicos, têm em comum o monocórdico grito contra a corrupção política e o polifônico clamor por um Estado eficiente. Todavia, a pertinência destas demandas foi largamente ofuscada: em 2013, pela garatuja de guerra civil que os Black Bloc e a polícia ofereceram à opinião pública, e em 2015, pelo vômito elitista que pretere a democracia à ditadura militar – não obstante, com o agravante de se servir da própria democracia para tal. Ora, não há grito popular por vinte centavos, saúde e educação padrão FIFA, reforma política ou terceiro turno, pleitos em si civilizados, que resista ao intenso ruído da barbárie, seja a “molotóvica” Black Bloc, seja a “panelosa” coxinha.
Agora, se o revolucionário 2013 e o reacionário 2015 têm seus vândalos inerentes, é por que cada cidadão brasileiro tem dentro de si essa mesma dicotomia, entretanto, em menor grau. Porventura o manifestante pacífico, seja de que ano for, não reflete e sustenta as contradições dos radicais ao lado dos quais se manifestou? Em outras palavras, não seria o radicalismo, impertinentemente representado pelos Black Bloc e pelos coxinhas, a sintomática erupção, na arena social, da barbárie resistente que subjaz em cada cidadão, todavia civilizadamente reprimida? Cabe a cada brasileiro fazer esse “Mea culpa” individual e encontrar o radical fundamentalista solapador de ideais harmônicos escondido dentro de si mesmo, pelo menos antes de exigir que a figura da presidenta faça isso no lugar de todos.
Só então o cidadão, a partir da ínfima parcela que ele representa na opinião pública, deixará de propagandear o radicalismo como um erro condenável, para então entendê-lo como o inexorável outro lado da única moeda com que se negocia a mudança, seja ela para trás, seja para frente. Ter participado do Junho de 2013 e condenar os Black Bloc, ou ter desfilado no março de 2015 sem aceitar os coxinhas, é fingir que se está acima deles. Ademais, é não se unir verdadeiramente à massa a qual se diz pertencer. É, sobretudo, enfraquecê-la, não como os seus respectivos vândalos o fazem, mas de outro modo, silenciosa e covardemente.
Entretanto, levando essa lógica ao limite, o cidadão brasileiro, para fazer parte efetiva do “corpus brasilis”, não deve se iludir de que não produz cotidianamente tanto a pacificidade da maioria, quanto a radicalidade das minorias, cuja virtude, contudo, é gritar barbaramente, em alto e bom tom, aquilo que a civilização têm vergonha de expressar publicamente. Dessa forma, ser brasileiro seria querer, ao mesmo tempo vinte centavos, um Brasil padrão FIFA, a ruína do banco Itaú, o impeachment, a ditadura militar, a monarquia, e todo as demandas que não cabem num único discurso sem que ele soe absurdamente radical.
Seria ideal se a cidadania fosse algo simples e coerente. Porém, a realidade nada mais faz do que frustrar esse sedutor desejo, afrontando-nos com a sua complexidade imanente, cuja pertença, no entanto, exige que não nos coloquemos acima dela, como estrangeiros, burgueses ou “cidadãos de bem” que a julgam como se se tratasse de uma republiqueta indesejada nalgum (outro) terceiro mundo distante. 2013 fez do caos uma nova ordem, todavia temporária. 2015, por sua vez, fez da ordem o pretexto para apologizar o caos. Por fim, o vetor entre as forças revolucionárias e reacionárias destes dois anos aponta senão para o exato agora, mas também para todos nós brasileiros, que guardamos internamente não só a pacificidade que pouco pode contra um grande inimigo, mas também o radicalismo que melhor encarna e atua o desejo de mudança.
O texto tem belas palavras. Gostei da reflexão e concordo que estamos vivendo uma polarização de discursos radicais que são imanentes aos brasileiros. Só não entendi porque chama os “verde-amarelos” de desordeiros e que fazem apologia ao caos. É uma ironia?
Olá, Ozimarbovio. Primeiramente, obrigado pela leitura. Em segundo, sobre a sua pergunta, se há ironia na minha afirmação, claro que há. Faço questão que sempre haja, pois a ela, em si, carrega muitos sentidos ocultos que podem ser finalizados por quem a lê. De qualquer forma, do meu ponto de vista, os verde-amarelos, que no texto, quiçá na realidade, fazem contraste com os black blocs, são desordeiros na medida que pedem a suspensão da democracia ao pedirem intervenção militar, moarquia. Se a ordem atual é a democrática, ir contra ela é ser desordeiro, para não dizer criminoso. Peço pára que vc perdoe o meu radicalismo ao escrever, mas tento pensar abstratamente, e os muitos casos particulares de “verde-amarelos” menos radicais que querem só mais ordem, em vez de derrubar a ordem, não são contemplados. Eu sei que eles existem, e vc, pelo jeito, bem sabe disso também. Abraço e até a próxima.
Entendi seu ponto de vista.Desordeiros porque são contra a ordem vingente. Achava q era ironia pq são conservadores qto manutenção da desigualdade social ainda q muitas vezes inconscientemente.
por esse lado, se fossem a favor da desigualdade, seriam, logicamente muito ordeiros, claro, de acordo com ordens ou aristocráticas ou oligárquicas, sem dizer monárquica.